Os Shibata: segredos além do DNA.
Depois de dar a Palma de Ouro para as provocações de The Square (2017) e antes da consagração de Parasita (2019), Cannes lançou um dos filmes mais premiados de 2018. Naquele ano houve uma ótima safra cinematográfica, isso ficou bem claro no Festival ao ter em sua mostra competitiva um total de 21 filmes, entre eles o polonês "Guerra Fria" de Paweł Pawlikowski, o estadounidense "Infiltrado na Klan" de Spike Lee, o libanês "Cafarnaum" de Nadine Labaki, o espanhol "Todos Já Sabem" de Asghar Farhadi e o japonês "Assunto de Família" de Hirokazu Koreeda que levou a Palma de Ouro para casa. Fazendo filmes desde 1991, Hirokazu experimentou algum sucesso com Depois da Tempestade (2016), mas nada que se compare aos 53 prêmios que este filme recebeu. Talvez esta seja sua obra mais complexa e se beneficia muito por não julgar seus personagens em um roteiro ambíguo digno de muitas conversas depois. O filme começa com a simplicidade típica do diretor, mas logo em seus primeiros minutos começa a esboçar do que se trata ao apresentar Osamu (Lily Franky) e o menino Shota (Jyo Kairi) roubando coisas em um mercadinho, mas ao voltarem para casa eles conhecem a menina Yuri (Miyu Sazaki) e resolvem leva-la para casa também. Curiosamente a família não estranha muito a chegada da menina, que aos poucos começa fazer parte da dinâmica da família Shibata - que é composta ainda pela "vovó" (Kirin Kiki), a "mãe" (Sakora Andô) e a "tia" adolescente Aki (Mayu Matsuoka). A trama avança em uma cadência muito particular, amparada pelos diálogos bem lapidados, que compõem a marca registrada do diretor, assim como a atmosfera realista que aqui disfarça bastante os segredos inusitados e seus desdobramentos. Embora a família ganhe nossa simpatia, aos poucos descobrimos que existe uma rotina de contravenções naquele meio, mas que são praticadas dentro de uma lógica que as sustenta com a maior naturalidade possível ("só crianças que não podem estudar em casa vão para a escola" ou "se está na loja é porque não pertence a ninguém ainda"). Os Shibata são muito pobres, moram numa casa pequena, suja, cheia de entulhos, mas que mesmo assim soa acolhedora para a pequena Yuri, que não quer voltar para seu antigo lar. São nas interações da menina com sua nova família que o filme alcança seus momentos mais comoventes, especialmente quando a garotinha contracena com Sakora Andô, que está excelente como a figura maternal deste clã marginalizado e repleto de mistérios. O cineasta constrói este microuniverso com muito sentimento, embora em linhas tortas. Aqui as relações funcionam como um relógio prestes a degringolar. Em sua última meia-hora o filme pode desmontar todas as impressões que tivemos anteriormente, mas o trabalho de direção e dos atores é tão preciso que ultrapassa os diálogos, novas perguntas se instalam e dúvidas pairam no ar por muito tempo. Assunto de Família é um filme surpreendente e aborda tantas camadas em sua história que é impossível esquecê-lo.
Assunto de Família (Mambiki Kozaku / Japão - 2018) de Hirokazu Koreeda com Lily Franky, Sakora Andô, Jyo Kairi, Kirin Kiki, Mayu Matsuoka e Miyu Sazaki. ☻☻☻☻☻
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