Christian e Tales: desejo em meio ao caos.
Desde sua primeira cena fica claro que a vida do jovem Sócrates não será fácil. O filme começa com o menino aos gritos tentando fazer a mãe acordar, não tem jeito, ela está morta. Dali em diante tudo só piora na vida do rapaz. Ele precisa dar conta do aluguel atrasado, aparece trabalhar no lugar da mãe, mas o fato de ser menor de idade não ajuda. Resolve procurar emprego e não consegue. Começa a trabalhar em um ferro-velho e se mete em confusão e se não pagar o aluguel não terá para onde ir. Procurar o pai? Nem pensar, Sócrates prefere viver à deriva do que voltar a viver sob o mesmo teto que ele. Aos quinze anos ele precisa lidar com a falta de dinheiro e os preconceitos em torno de sua sexualidade. Este ponto parece ser apenas um detalhe no texto de Alexandre Moratto e Thayná Mantesso, mas paira sobre a inadequação ao mundo que cerca o garoto, havendo a mescla de dois estigmas, o econômico e o sexual. O ótimo Christian Malheiros realiza um excelente trabalho na pele de Sócrates, no início, mesmo em meio a situação desesperadora, o jovem ator demonstra olhares e sorrisos de esperança diante do futuro, mas aos poucos esta esperança vai embora com as decepções que atravessam seu caminho. Existe a promessa de um romance que nunca se concretiza (com outro destaque do elenco, Tales Ordakji), um emprego que nunca surge e o anúncio de uma situação limite perante o que ele deseja e o que seria suportável. A direção de Moratto tem um senso de urgência que impressiona, sua narrativa é dinâmica, enxuta e alcança um tom visceral graças ao elenco mais que eficiente. Os cortes precisos se mostram fundamentais para que o filme funcione, cria a sensação de um verdadeiro jorro que sabe exatamente a hora de parar e prosseguir. Ambientado na Baixada Santista, litoral de São Paulo, o filme é feito por uma equipe que entende bastante da realidade da região. Realizado por jovens de 16 a 20 anos das Oficinas Querô (projeto social do Instituto Querô, ONG de Santos que atua há mais de dez anos com adolescentes de baixa renda interessados em fazer cinema), o filme transborda esta jovem energia. Moratto foi voluntário nestas oficinas e se interessou a contar histórias sobre aqueles pessoas dali, o resultado foi um filme premiado em vários festivais e que surpreendeu a ser indicado em três categorias do prestigiado Independent Spirit nos Estados Unidos que indicou o longa nas categorias John Cassavetes (para filmes de baixíssimo orçamento), melhor ator para Christian Malheiros (que concorreu ao prêmio de melhor ator ao lado de Adam Sandler, Robert Pattinson e Mattias Schoenaerts) e Alexandre Moratto levou para casa o prêmio de Revelação. Apesar do nome do protagonista ser referente ao jogador de futebol, ao ver a jornada do personagem eu só lembrava daquela célebre frase do outro Sócrates: "Conhece-te a ti mesmo" e, isso torna-se fundamental para o personagem, especialmente na última parte (de tirar o fôlego, literalmente) em que se percebe forças para continuar.
Sócrates (Brasil/2019) de Alexandre Moratto com Christian Malheiros, Tales Ordakji, Jayme Rodrigues e Vanessa Santana. ☻☻☻☻
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