Kerry, Pasquale e Jeremy: diálogos potentes.
A peça teatral American Son escrita por Christopher Demos-Brown chamou atenção ao entrar em cartaz pela temática sempre atual aqui tratada por um roteiro bem elaborado que expõe um verdadeiro emaranhado de situações envolvendo o racismo. A ideia deu tão certo que a Netflix realizou uma adaptação da peça em formato de filme mantendo o mesmo elenco que se via nos palcos. O filme não tem pudores em demonstrar a sua origem teatral, sendo bastante fiel ao texto e o uso de um único cenário - ele insere apenas alguns flashes para evidenciar algo externo ao cenário e a tensa troca de diálogos que conduz a narrativa até o final. No elenco, Kerry Washington vive a mãe desesperada que espera notícias em uma delegacia após o desaparecimento do filho. Atendida por um policial novato (Jeremy Jordan) a conversa começa a demarcar alguns pontos que evidenciam seus piores pesadelos sobre ser mãe de um jovem negro na Terra do Tio Sam. Aos poucos ela tenta ressaltar que seu filho é um bom filho, um adolescente tímido e estudioso, mas nota que pesa sobre ele uma série de estigmas preconceituosos. Kerry e Jeremy conseguem estabelecer uma dinâmica interessantíssima neste momento, demonstrando que o racismo está presente em palavras e atitudes sutis, que revelam uma estrutura bastante cruel. Se ela não consegue muitas informações sobre o que pode ter acontecido com o filho, resta à mãe esperar a chegada de um encarregado que possa lhe dar maiores esclarecimentos. O uso de um cenário apenas e a câmera sempre bem localizada deixa o tom claustrofóbico ainda mais evidente nos diálogos sufocantes que se seguem sem saber ao certo para onde. As palavras e a razão tropeçam em contradições, segredos, inseguranças... deixa sempre a sensação de que algo está perdido. Quando o pai (Steven Pasquale) chega o discurso do filme se amplia e a identidade do filho desaparecido entra em pauta, se misturar aos sonhos do pai, aos conflitos familiares, as insatisfações e a busca por se fazer o que se quer (e não o que esperam de você). Fica latente a sensação de que uma mínima falha, um pequeno detalhe (aparentemente fácil de ser evitado), será capaz de tomar o rumo de uma tragédia dentro da estrutura já comprometida. Dirigido por Kenny Leon o filme consegue manter a tensão do início ao fim e alimenta o suspense através dos diálogos cortantes, que por vezes parecem ter a força de um soco no rosto. Neste processo, o elenco já habituado ao texto nos palcos também realiza um ótimo trabalho e não deixa aquele ar pesaroso de teatro filmado. O único momento em que a origem teatral do texto atrapalha é o desfecho, nos palcos pode funcionar com a luz e as cortinas se fechando, mas a catarse do casal soa interrompida de forma um tanto abrupta ao chegar no ponto final. Em tempos de protestos sobre o tema, American Son propõe ótimos pontos de reflexão.
American Son (EUA-2019) de Kenny Leon com Kerry Washington, Steven Pasquale, Jeremy Jordan e Eugene Lee. ☻☻☻☻
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