Embora a Netflix tenha sofrido uma queda em suas ações por conta do cancelamento na assinatura de milhares de assinantes, vale dizer que embora nos últimos anos ela tenha privilegiado quantidade ao invés de qualidade em suas produções, a gigante do streaming ainda tem lá seus acertos entre a ampla oferta de títulos que oferece (e nem vou entrar na polêmica de Ataque dos Cães/2021 que merecia realmente aquele Oscar de Melhor Filme) Recentemente, embora muita gente não tenha gostado da segunda temporada de Bridgerton (que teve menos cenas de sexo que a anterior - e não senti a mínima falta de mais cenas calientes), eu ainda curti aquele universo de época mais diverso e apimentado. Outro título que desponta como destaque da programação nas últimas semanas é Heartstopper, a adaptação da cultuada graphic novel de Alice Oserman que colabora na construção do roteiro da série. De primeira achei que a série seria mais uma variável que bebe no sucesso de Sex Education (assim como Eu Nunca...), mas a série consegue se desvencilhar das comparações ao construir uma atmosfera diferente, mais introspectiva e até ingênua perante as descobertas de seus personagens. O programa tem como protagonistas os adolescentes Charlie (Joe Locke) e Nick (Kit Connor). Ambos estudam em uma escola só para meninos, enquanto Charlie é assumidamente gay e está em crise com Ben (Sebastian Croft) que não assume o relacionamento que existe entre eles, Nick é do segundo ano, joga no time de rúgbi e faz sucesso com as meninas que morrem de amores por ele. Um dia os dois se aproximam e se tornam amigos, até que percebem que começa a existir a faísca de algo mais entre eles. Enquanto Nick tenta entender o que está acontecendo em sua sexualidade, Nick precisa lidar com seus fantasmas (do bullying sofrido no ano passado por sair do armário às mágoas recentes criadas por Ben) para permitir os próximos passos em sua vida amorosa. Conforme os laços entre os dois personagens se fortalecem, a plateia conhece outros personagens como o casal formado por Tara (Corinna Brown) e Tori (Jenny Walser) que sofrem preconceito em uma escola só para meninas, a jovem trans Elle (Yasmin Finney) que se descobre apaixonada pelo amigo Tao (William Gao), o introspectivo Isaac (Tobie Donovan) e o insuportável Harry (Cormac Hyde-Corrin) que recebem muito mais destaque ao longo dos episódios do que nos livros da série. O resultado agradou os fãs que se preocupavam com a fidelidade à história e a forma com que lida com os dilemas de seus personagens de forma bastante envolvente marcada pelas inseguranças da adolescência e a força dos hormônios. O clima de descobertas típicas da adolescência recebe aqui um tratamento sincero e honesto, preocupado no desenvolvimento dos personagens e questões em torno de amor e amizade. No entanto, se por um lado a representatividade da trama funciona muito bem, por outro, a série pode ser acusada de ser uma fantasia por compor um grupo de características sexuais tão distintas. Em outros tempos, séries adolescentes de sucesso com grupos formados somente com héteros brancos como Barrados no Baile (1990-2000) e Friends (1994-2004) eram vistas com naturalidade e não causavam estranhamento ao ponto de serem consideradas fantasias, hoje Heartstopper é saudada como uma série que fez falta nas décadas finais do século XX, mas dificilmente esta ideia receberia sinal verde para sua produção. Neste ponto, a Netflix merece elogios por investir em programas que seriam impensáveis tempos atrás. Embora possa parecer feita para adolescentes, Heartstopper é capaz de prender a atenção de todas as faixas etárias que já superaram seus preconceitos e buscam um bom programa para assistir. Acredito que muito do sucesso da trama se deve ao bom trabalho do elenco, principalmente da dupla formada pelo estreante Joe Locke e de um crescido Kit Connor (que foi o jovem Elton John em Rocketman/2019 indicado à revelação daquele ano aqui no blog), tendo como brinde a participação especial de Olivia Colman como a mãe de Kit. A cena em que Kit conversa com a mãe sobre o que sente por Charlie é uma das mais comoventes já protagonizadas pela atriz e apenas um dos momentos em que Heartstopper demonstra que é mesmo uma série sobre sentimentos - e existe algo mais universal do que isso?
Heartstopper (Reino Unido - 2022) de Alice Oseman com Kit Connor, Joe Locke, Corinna Brown, Jenny Walser, William Gao, Yasmin Finney, Olivia Colman, Tobie Donovan e Sebastian Croft. ☻☻☻☻
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