sexta-feira, 10 de junho de 2022

CICLO DIVERSIDADESXL: Canário

 
Hans e Germandt: amor e Culture Club. 

É sempre interessante escolher os filmes para compor um Ciclo aqui no blog, mas sobretudo eu preciso de tempo. Tempo para pesquisar os filmes que possam compor as postagens da semana, tempo para assistir e filtrar aqueles que ajudam a compor um Ciclo mais interessante e, claro, tempo para escrever. Nesse ano, parti da premissa de que deveria escrever sobre filmes de países diferentes e que tivessem abordagens variadas sobre a diversidade. Sendo assim, comecei a assistir os filmes da minha lista e cheguei a ficar em dúvida se deveria escrever sobre dois filmes de uma mesma nacionalidade, no entanto, como são dois filmes bem diferentes e de um país que é raro termos filmes comentados por aqui, achei que seria uma boa ideia escrever sobre Canário, filme sul-africano de Christian Olwagen sobre um adolescente, Johan (Schalk Bezuidenhout), que é escolhido para servir à força militar de seu país por dois anos e fazer parte do coral da Força de Defesa Sul Africana. O grupo é conhecido como "Canários" e foi responsável por realizar apresentações aos pais de jovens convocados para o front no período conturbado do apartheid na África do Sul. O cruel regime separatista governamental, que visava separar brancos e negros, serve de pano de fundo para um filme que é ambientado no ano de 1985 e se banha em uma certa nostalgia da cultura pop do período para retratar os conflitos de seu protagonista com a própria sexualidade. As primeira cenas deixam claro que Johan está longe de ser hétero. Fã de Boy George, ele surge vestido de noiva cantando Smalltown Boy do Bronski Beat (um verdadeiro hino gay) junto com suas amigas e outros vizinhos. Se por um lado aquilo pode ser encarado apenas como uma brincadeira para algumas pessoas, podemos perceber que são neles que Johan vive a sua libertação. Ao ser convocado para viver dois anos num ambiente bastante conservador como o exército, ele fica um tanto preocupado. No entanto, ele considera que se for discreto não terá problemas em sua nova tarefa. Assim, ele evita conversas, contem seus gestos, evita falar de seu gosto musical e tenta ficar longo do falante Rudolf (Germandt Geldenhuys). A coisa complica quando ele se aproxima cada vez mais do simpático Wolfgang (o ótimo Hannes Otto), que assim como ele é fã de Boy George e cultura pop em geral e, não demora muito, para demonstrar a grande afeição que sente por Johan. Enquanto a atração entre os dois cresce, assim como o temor de chamar atenção para o relacionamento que se instaura, Johan começa a questionar os riscos que corre e mergulha num perigoso processo de negação. Ainda que lide com temas pesados, Canário consegue manter a leveza a maior parte do tempo, sem se esquivar quando precisa colocar o dedo em alguma feridas. Seja no discurso de uma mulher contra o contraditório trabalho de "conforto" feito pelos canários (ressaltando a conflituosa relação do grupo entre a Igreja e o Estado) ou pela sugestão de que apoiam um governo que discrimina pessoas pela cor da pele. Aqui existe uma observação perspicaz sobre a mania de considerar que determinados grupos são melhores (ou mais corretos) que outros, seja pela cor da pele ou sexualidade. O diretor Christian Olwagen consegue construir suas cenas de forma criativa, utilizando planos sequência elaborados que por vezes revelam uma alma teatral (mas sem o caráter engessado que algumas transposições possuem), misturada com os clipes pop dos anos 1980. O diretor tem bastante habilidade em lidar com as músicas e os ícones andróginos do pop do período (repare a cena em que os personagens aparecem caracterizados de nomes como o próprio Boy George, além de David Bowie, Grace Jones, Michael Jackson, Prince, Annie Lennox e outros artistas que marcaram o período, embora ficasse, na maioria das vezes no campo somente da imagem - Johan até conta de sua tristeza da demora de seu ídolo assumir que era gay numa clara alusão ao valor da representatividade, algo que tornou-se bastante difundido na cultura pop atual). Vale destacar que o longa é bastante natural na construção das cenas de intimidade entre Johan e Wolfgang, o que passa pelo mérito de seus atores. Apesar de ser um ator vindo da comédia,  Germandt Geldenhuys consegue dar a introspecção certa dos conflitos vividos por Johan, sendo um ótimo contraponto com a espontaneidade  longe dos estereótipos impressa por Hannes Otto na pele de Wolfgang (vale destacar que Otto se tornou o primeiro sul-africano aceito na prestigiada escola de arte dramática Juilliard. Otto é homossexual assumido e atualmente atua como produtor em Hollywood). Canário foi exibido e elogiado nos festivais de Berlim e Toronto  e é uma verdadeira pérola escondida no catálogo do Amazon Prime Video. 

Canário (Kanarie / África do Sul - 2018) de Christian Olwagen com Germandt Geldenhuys, Hannes Otto, Gérard Rudolf, Jacques Bessenger, Ludwig Binge, Germandt Geldenhuys, David Viviers e Francois Jacobs. ☻☻

Nenhum comentário:

Postar um comentário