Sara e Daniel: amor impossível?
Em épocas de SPOILERS alguns filmes penam para gerar sinopses atrativas para o seu público. Ano passado isso aconteceu com Ataque dos Cães e também com o brasileiro Deserto Particular. Para não estragar as surpresas existe tanto mistério em torno do que será visto que um jogo de palavras peculiar já desperta o mesmo tipo de alarme na minha cabeça. "Sim, Wellington... é exatamente isto que você está pensando". Colocar Deserto Particular para encerrar o Ciclo DiversidadeSXL deste ano já é um SPOILER, mas acho que é justo com um filme que possui outras qualidades para além do seu "segredo". Estas qualidades lhe valeram a escolha o prêmio de Escolha do Público no Festival de Veneza do ano passado e o posto de representante brasileiro para uma vaga na disputa de filme estrangeiro no Oscar em tempos em que a Academia tenta ser mais inclusiva. Todos estavam confiantes com a escolha, mas o filme acabou ficando de fora não por conta de seus méritos, mas pelo tempo escasso destinado para a campanha na categoria (o que já gerou mudanças para o ano que vem). O filme conta a história de Daniel (Antonio Saboia), um policial militar que está afastado do trabalho por conta de um incidente desastroso que ganhou atenção da mídia. Agora ele passa os dias com o braço engessado cuidando do pai, que assim como ele tinha a mesma profissão e agora requer atenção pela sua situação de saúde. O alento para os dias de Daniel são as conversas com Sara por um aplicativo de celular. Ele mora em Curitiba, ela mora em Pernambuco e os dois mantem um relacionamento a distância faz algum tempo. No entanto, depois dele enviar uma foto bastante íntima, Sara deixa de responder as suas conversas. Aterrorizado pelo ghosting, sem dinheiro e sem maiores perspectivas de dias melhores, Daniel parte para a cidade da amada afim de encontrar sua cara metade e acaba descobrindo um pouco mais sobre si mesmo. Quando lida com histórias de ficção no cinema, Aly Muritiba é craque em construir tramas sobre mudanças de perspectivas, se isso já era visto em Para Minha Amada Morta (2016), aqui ele utiliza uma estrutura semelhante à Ferrugem (2018), dividindo o filme entre dois personagens. Se a primeira parte é dedicada à angústia de Daniel, a outra fica por conta de Robson (Pedro Fassanaro), rapaz que mora com a avó evangélica e trabalha cuidando de carregamento de alimentos. Robson é muit jovem e ainda procura seu verdadeiro lugar no mundo. Se Antonio Saboia realiza um ótimo trabalho com as camadas nem sempre expostas de Daniel, Pedro Fassanaro ganha nosso coração ao abordar toda a complexidade de um jovem assustado com a chegada de Daniel e todas as consequências disso em sua rotina. Fassanaro faz até parecer fácil o complexo trabalho que tem em mãos. O ator é verdadeiramente um achado! Deserto Particular resulta em uma história de amor contida, dolorosa, triste e que deixa um nó na garganta. A ideia de quem se é o que se quer está presente o tempo inteiro em choque com as convenções e as certezas que se diluem perante as emoções inesperadas que a história propõe aos personagens. É um filme corajoso e atual, mas que sabiamente não perde a sensibilidade na hora de contar sua história. E esta sensibilidade que nos faz relevar aquela longa parte de Daniel perguntando sobre Sara e o desfecho que poderia ser daquele jeito que a plateia desejava. E sim, o filme merecia uma vaga no Oscar (especialmente no lugar do sacal A Mão de Deus de Paolo Sorrentino).
Deserto Particular (Brasil - 2021) de Aly Muritiba com Antonio Saboia, Pedro Fassanaro, Thomas Aquino, Laila Garin, Zezita Matos e Luthero de Almeida. ☻☻☻☻
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