Martine e Sukowa: superando as adversidades.
Quando se trata de filmes sobre casais homossexuais é comum a reclamação de todo o sofrimento a que são submetidos para chegar no final tudo terminar em tragédia. De certa forma o filme Nós Duas deixa esta sensação no ar durante toda a sua duração até que chega a um desfecho que deixa para a imaginação da plateia pensar o que acontece depois. A produção francesa dirigida pelo italiano estreante Fillipo Meneghetti foi lembrada em algumas premiações, sendo até indicado ao Globo de Ouro de filme estrangeiro, além de ter visto suas duas atrizes indicadas ao César de melhor atriz (o filme também concorreu nas categorias de melhor filme de estreia e roteiro original) e o motivo de ficar na memória é a forma como aborda um tema que ainda parece um tabu no cinema: o amor na terceira idade entre pessoas do mesmo sexo. O longa conta a história de Madeleine (Martine Chevallier) e Nina (Barbara Sukowa) as apresentando com uma cena de abertura em que já fica clara a afeição entre as duas. Somos apresentados a estas duas mulheres já enquanto um casal consolidado e que faz planos para um futuro próximo, mas... para estes planos se tornarem realidade, Madeleine precisa contar aos seus filhos que após anos de viuvez assumirá seu relacionamento com Nina e viver com ela em outro país. Depois de anos presa em um casamento infeliz, o grande obstáculo da personagem é lidar com a reação dos filhos ao fato de ser lésbica e que a vizinha de muitos anos era sua amante. No entanto, no jantar em que ela deveria contar a verdade aos filhos, nada sai como o esperado e o relacionamento entre as duas só piora. Quando pensamos que o filme será sobre a abordagem da dificuldade de uma mulher madura sair do armário para sua família, o filme oferece uma guinada que complica ainda mais a presença de Nina na vida da parceira. Não vou entrar em detalhes para não estragar as surpresas que o roteiro reserva para o espectador, mas vale mencionar como a produção consegue apresentar o amor das duas personagens de forma bastante legítima perante as adversidades que precisam atravessar. Se por um lado todas as convenções limitavam as possibilidades de Madeleine expressar suas vontades e desejos, agora suas limitações físicas tornam a situação ainda mais complicada, principalmente quando a filha (Léa Drucker) começa a ter plenos poderes sobre o destino da mãe (e neste ponto o filho ranzinza perde cada vez mais espaço na história). Por outro lado, conforme o roteiro avança em sentimentos como medo, preconceito e rejeição, as atitudes de Nina se tornam cada vez mais extremadas para que possa ficar do lado de sua amada - e o filme deixa claro como a vida das duas perde o sentido quando separadas após anos de convivência "secreta". Nós Duas consegue sustentar sua narrativa com uma mistura de drama e romance costurado com tons de suspense e, no meio de tratamentos e mediações, faz quase um tratamento de choque à ignorância de determinar os desejos de outra pessoa. Resta dizer que, embora eu seja otimista sobre o final do filme, ele me deixou com um frio na barriga minutos antes do desfecho.
Nós Duas (Deux / França, Alemanha, Bélgica - 2019) de Fillipo Meneghetti com Barbara Sukowa, Martine Chevallier, Léa Drucker, Jérôme Varanfrain e Augustin Reyes. ☻☻☻☻
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