Leto: vidas paralelas de um senhor de 118 anos.
Se o protagonista de Sr. Ninguém fosse um super-herói com certeza ele seria o Dr. Manhatan de Watchmen. Não que ele tenha a pele azul ou ande sem roupa por aí, mas pela forma como o diretor belga Jaco Van Dormael constrói sua história misturando diferentes possiblidades - que podem ser interpretadas dentro da teoria de que existem dimensões variadas pautadas nas escolhas do protagonista. Mesmo que o diretor não facilite a vida dos espectadores acostumados ao mais simples feijão com arroz, é possível acompanhar com grande interesse as inúmeras possibilidades exploradas sobre a trajetória de Nemo Nobody (Jared Leto) no roteiro que caminha para possibilidades infinitas. Podem considerar o filme pretensioso, mas toda a sua ousadia poderia resultar num tedioso exercício de exibicionismo se não houvesse um forte conceito por trás de tudo. Esse conceito é de que a vida nos oferece inúmeras possibilidades e são as nossas escolhas que ditam seu rumo. Dito assim parece óbvio, mas o desenvolvimento da história mostra o que há de complexo nessa premissa, envolvendo conceitos de físicos, cosmológicos, metafísicos e filosóficos - caminhando do universo em expansão pós Big Bang até o universo em contração do Big Crunch. Todas as histórias giram em torno de uma entrevista sobre a vida do último mortal de nosso planeta, Nemo Nobody, que está com 116 anos. Em 2092 uma espécie de reality show irá desvendar esse sujeito misterioso que está impossibilitado de viver mais por não fazer reposição celular constantemente e não possuir um porco com células tronco capazes de prolongar sua existência. Ao ser entrevistado, Nemo (Leto com surpreendente expressividade debaixo de pesada maquiagem e até mais confortável do que quando está sem ela) conta sua vida a um repórter (Daniel Mays), mas suas lembranças começam desde antes de seu nascimento (quando por negligência dos anjos ele acaba nascendo com o dom de prever o futuro e suas diversas possibilidades). A história de Nemo se complexifica a partir do momento em que os pais se divorciam e pedem para que escolha com quem deseja ficar. É neste ponto que o filme dispara os primeiros destinos possíveis, ou então, como Nemo conduziu sua vida em cada mundo paralelo existente. Em cada vida Nemo possui uma amada diferente, a depressiva Elise (Sarah Polley), a negligenciada Jean (Lihn Dan Pham) e a favorita Anna (Diane Kruger). Será que essas histórias realmente aconteceram? Será que tudo é fruto da mente secular de Nemo? Será que Nemo não consegue distinguir o que aconteceu do que gostaria que acontecesse? É essa estranheza, devidamente amparada pelas cenas geradas pela criatividade de Dormael, que torna o filme tão interessante. Existe um bocado de momentos tristes e felizes na trajetória de Nemo e o filme consegue equilibrar seus inúmeros elementos com sabedoria, mesmo que em alguns momentos o espetáculo visual pareça que vai descambar para a gratuidade vazia. O filme só não é perfeito por conta de uma parte bem próxima do final onde explora uma realidade onde todos usam roupas xadrez. Ao criticar essa vida padronizada o filme parece ridicularizar sua premissa em explicações que acabam diminuindo o poder de sua narrativa multifacetada - mas até este ponto o filme nos proporciona um instigante jogo de cenas para pensarmos nas possibilidades que temos diante de nós todos os dias. Parece confuso? Bem, não se pode misturar ficção científica com romance, física quântica e filosofia sem quebrar alguns neurônios - tarefa essa que Sr. Ninguém executa com grande vigor. Aos 53 anos, Jaco Van Dormael tem apenas três longas metragens no currículo, mas já foi premiado em Cannes e no Festival de Veneza, sendo um nome para ficar de olho!
Sr. Ninguém (Mr. Nobody/Canadá-2009) de Jaco Van Dormael com Jared Leto, Diane Kruger, Sarah Polley, Rhys Ifans, Juno Temple, Toby Regbo e Linh Dan Pham. ☻☻☻☻☻
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