quinta-feira, 27 de abril de 2023

PL►Y: Alpes

 
Angeliki: altruísmo ou problema psicológico?

Yorgos Lanthimos apareceu em escala mundial com  Dente Canino (2009) que fez sucesso em festivais e ganhou uma surpreendente indicação ao Oscar de filme estrangeiro (entrando para a história como o um dos filmes mais estranhos a concorrerem na categoria). Dois anos depois, Lanthimos lançou Alpes que obteve recepção mais discreta, mas que agrega elementos um tanto diferentes do anterior. Se a cena de abertura evoca com Carmina Burana a tragédia de seu antecessor, existe um contraste com a leveza da ginasta (Ariane Labed) que se apresenta ao som daquela música. Ao final do treino ela se volta ao treinador e diz que gostaria de se apresentar ao som de algo mais pop e a severidade do treinador é apresentada logo em seguida. Este é o ponto inicial para conhecermos um grupo que realiza o serviço de substituir pessoas falecidas para aqueles que amargam o luto. O líder do grupo o denomina de Alpes em alusão aos alpes europeus e cada um dos integrantes passa a usar como codinome o nome de uma montanha. Os membros do grupo aprendem a se comportar como os falecidos, a se vestir como eles, falar como eles, ajeitar o cabelo feito eles, incorporando até mesmo ações realizadas pelos falecidos. Quem recebe mais destaque na história é uma enfermeira (Angeliki Papoulia), que, digamos, assume "vários trabalhos" ao longo do filme, ao ponto de quebrar regras do grupo ao assumir a vida de uma jovem tenista falecida recentemente. Aos poucos, o filme demonstra estar menos interessado na dor da perda e mais na confusão identitária vivida pela enfermeira. Em determinado momento nem ela ou o espectador saberá identificar o que faz parte da vida real ou o que é encenação. Um pouco deste efeito também é sentido no arco envolvendo a ginasta que aparece no início, que deixa embaçado se sua relação com o treinador é real ou se ali alguém está substituindo alguém, ou quando recebe uma visita inesperada e não sabe muito bem como reagir. Neste ponto notamos como não sabemos nada do grupo. Yorgos constrói aqui mais uma história estranha do seu cinema absurdista, mais uma vez ele borra os limites entre drama e comédia em uma narrativa com atuações comedidas, ritmo lento e tom seco. O público que não está acostumado ao estilo do cineasta estranhará, mas os fãs consideram um deleite! Angeliki (que também atuou em Dente Canino) merece destaque no elenco pelo trabalho sem amarras em um personagem complicado que desaparece aos poucos nas interações que realiza. Em sua personagem o que parece ser altruísmo se revela cada vez mais um transtorno psicológico. Sobre a direção, ainda que Yorgos demonstre rigidez na condução da narrativa,  em determinados momentos, ele transparece mais leveza e um humor mais descarado (como a cena de dança destrambelhada perto do final) afim de acentuar os contrastes da narrativa e seu tom de crítica à uma sociedade de relações em crise. Embora seja considerado um filme menor em sua carreira, Alpes apresenta um autor que começava a lapidar seu estilo ímpar. 

Alpes (Alpeis / Grécia - 2011) de Yorgos Lanthimos com Angeliki Papoulia, Aris Servetalis, Johnny Vekris, Ariane Labed e Stavros Psyllakis. 

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