Com a estreia de Close (2022) na Mubi, procurei novamente o primeiro filme do cineasta Lukas Dhont na Netflix (e lá estava ele, faz tempo na minha lista de programas a assistir). Girl foi a estreia do diretor belga, que recebeu quatro indicações ao European Film Awards, foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e sua estreia no Festival de Cannes foi mais do que promissora, recebendo três prêmios no festival mais famoso do mundo (um prêmio de atuação para o ator Victor Polster na mostra paralela, a Queer Palm e o Golden Camera para o diretor estreante). Tantos elogios não evitaram algumas polêmicas por colocar um ator cis para viver uma adolescente trans que sonha ser uma grande bailarina no mesmo período em que está prestes a fazer sua cirurgia de adequação sexual. Existe toda uma discussão sobre escalar atores LGBTQIA+ para viver papeis correspondentes no cinema em nome da representatividade, mas o fato de ter um artista cis como protagonista invalida os méritos da obra? Levando a reflexão que o filme proporciona e o bom trabalho de Victor Polster na pele de Lara, considero que o filme merece uma chance (os produtores testaram mais de 500 adolescentes, sem especificação de gênero e somente Victor deu conta de dançar e defender a personagem com a mesma desenvoltura). O filme é baseado em uma história real (e a bailarina no qual o filme se baseia demonstrou bastante satisfação com a obra) e Lukas Dhont já demonstra bastante sensibilidade para contar uma história complicada. Enquanto a família parece lidar bem com a transição de Lara, parece que decisão de viver com o pai (Arieh Worthalter) e o irmão (o pequeno Oliver Bodart) em outra cidade em nome de "uma nova vida" não parece ter o efeito esperado. Não faltam situações constrangedoras na convivência com as colegas de escola e das aulas de ballet. Se existe um esforço descomunal para se tornar bailarina, para Lara a coisa parece se complicar ainda mais por conta de ter que aprender toda uma nova forma diferente de se movimentar da que aprendeu anteriormente em sua antiga identidade. A forma como Lara rejeita os atributos masculinos de sua anatomia são apresentadas várias vezes durante o filme em cenas que ilustram muito bem a sensação de disforia de gênero vivenciada pela protagonista (e tem uma cena junto com algumas meninas que se torna um verdadeiro marco das humilhações que a personagem vivencia). Aos poucos Lara se torna cada vez mais instrospectica, problemas físicos começam a aparecer e comprometem sua cirurgia. Embora o filme tenha uma fotografia quase idílica a maior parte do tempo, Dhont capricha no tom vertiginoso para demonstrar todo esforço da personagem para provar aos outros o que se é. A sensação de inadequação (e cansaço) se intensifica ao ponto que uma ação chocante surja no roteiro. Polêmicas a parte, Girl é uma bela estreia e já demonstra o quanto Lukas Dhont está alinhado com questões pertinentes de seu tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário