Confesso que demorei um pouco a fazer esse #FDS com filmes do dinamarquês Lars von Trier (e faz um tempo que a MUBI está com vários filmes dele disponíveis), afinal, o moço está no pódio de diretores tão amados quanto odiados ao redor do mundo. Se por um lado existem cinéfilos que exaltam o valor artístico de seu estilo provocador, por outro existem vários outros que mantém o pé atrás com as intenções do cineasta. Após uma declaração desastrosa no Festival de Cannes em 2011, acusações da conduta abusiva dele com Björk no set de Dançando no Escuro (2000) e denúncias de assédio sexual em sua produtora, a situação do diretor não parou de complicar. Hoje, lidando com o diagnóstico de Parkinson, o diretor está mais recluso e teve como último trabalho o terceiro ano de sua cultuada série O Reino (2022). Falando em terceiro, muitos críticos costumam separar a carreira de Lars em trilogias (Europeia, Coração de Ouro, Terra de Oportunidade e Da Depressão). Europa fecha o primeiro ciclo da obra do cineasta ao explorar sentimento relativos à identidade do velho continente - a ideia se iniciou com Elemento de Um Crime (1984), teve segmento com Epidemia (1987) antes de chegar ao seu episódio mais elogiado. Neste início de carreira, Lars já demonstrava habilidade em lidar com técnicas cinematográficas diferenciadas, sendo Europa o mais elaborado visualmente comparado aos seus antecessores. Além da cenografia bem cuidada, preto e branco, projeções e sobreposições de imagens, ele tb cita referências que vão de Fritz Lang a Hitchcock, alcançando um resultado visualmente tão artificial quanto interessante. Tanto capricho lhe valeu o grande prêmio do júri no festival de Cannes e prestígio mundial. Aqui ele já conseguia atrair nomes famosos do cinema europeu para sua produção e o orçamento também foi maior que em suas obras anteriores (reza a lenda que só um estúdio beira da falência aceitou o risco de bancar a ideia do diretor). Ambientado log depois da Segunda Guerra Mundial, o filme conta a história de um jovem americano chamado Leopold (o então muso francês Jean Marc-Barr) cujo tio rabugento (Ernst-Hugo Järegård) lhe arranja o emprego em uma ferrovia na Alemanha, a Zentropa. O tio é um chato, o trabalho é árduo, mas ele tem bom coração e se apaixona pela herdeira da ferrovia, Katharina (Barbara Sokowa). O que poderia ser apenas uma história de amor se torna um intrincado jogo de segredos, espionagem e atentados que revelam que as feridas do passado recente ainda não estavam cicatrizadas. O pano de fundo histórico se torna fundamental para que o roteiro explore a construção de poder e fortuna em torno da ferrovia e sua participação na Guerra e no Holocausto. Lars von Trier brinca com a linguagem cinematográfica a todo instante, ora soando nostálgico aos filmes antigos, ora soando como um pastiche dos clássicos, mas sempre mantendo o tom inquieto e provocador quanto à Europa e seus signos. Com relação ao elenco, Europa proporciona a Jean Marc-Barr seu melhor trabalho como ator, o que não é pouco se pensarmos no seu arquétipo de bom moço a certa altura não sabe mais qual o melhor caminho a seguir. Ele traz muito das características das protagonistas femininas que aparecem posteriormente nas obras do diretor (especialmente na trilogia seguinte, a "Coração de Ouro" formada por Ondas do Destino/1996, Os Idiotas/1998 e Dançando no Escuro/2000). Ainda com todo o virtuosismo autoral, Europa é considerado o filme mais acessível do diretor.
Europa (Zentropa/ Dinamarca - França - Alemanha - Suíça / 1991) de Lars von Trier com Jean Marc-Barr, Barbara Sukowa, Udo Kier, Ernst-Hugo Järegård, Jørgen Reenberg, Max Von Sydow, Eddie Constantine e Erik Mørk. ☻☻☻☻
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