quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CATÁLOGO: Coisas que você pode dizer só de olhar para Ela

Cameron e Amy: "O que você me arranjaria por uma costela?"

"Somente um tolo especularia sobre a vida de uma mulher" diz uma das personagens do filme de estreia de Rodrigo Garcia lá pelo fim da sessão. Bem, se levarmos em consideração que o diretor/roteirista especula sobre a vida de quase uma dezena de mulheres, ele deve ser um dos maiores tolos do universo. Sorte, que além de tolo ele manja um bocado de contar uma história na telona. Uma não, quatro (ou cinco, dependendo do seu ponto de vista) e no mesmo filme. Ninguém pode ser filho de Gabriel Garcia Marquez e sair impune! Mas Rodrigo converte todas as expectativas com bastante talento neste longa que é o seu melhor filme. Existe algo de feminista em Coisas que você pode dizer só de olhar para Ela, mas não aquele feminismo com gosto de mofo que algumas produções tentam fazer como se ainda vivessemos nas mesmas histórias da década de 1930. Garcia explora fatos cotidianos, relações e romances que caminham entre a alegria e a tristeza e arranca atuações memoráveis de seu elenco. O filme se concentra em quatro narrativas: em "Essa é a doutora Keener" somos apresentados à mulher (Glenn Close) que cuida de sua mãe vítima de derrame e que recebe a visita de uma cartomante (Calista Flockhart da série Allie McBeal), o encontro acaba gerando estranhamento e novas expectativas; "Fantasias sobre Rebecca" conta a história da gerente de banco (Holly Hunter) que se vê diante de uma gravidez inesperada; "Um amor para Rose" é sobre o amor platônico de uma mulher (Kathy Baker, excelente) que cuida do filho enquanto se surpreende ao ver-se apaixonada por um anão; "Boa noite Lilly, boa noite Christine" retoma a cartomante em sua própria trama (a mais fraquinha) quando conhecemos sua namorada vítima de câncer (Valeria Golino); O filme fecha com chave de ouro em "O Amor espera por Kathy" ao contar a história de duas irmãs, uma policial (a ótima Amy Brenneman) e sua irmã cega (Cameron Diaz, digna de Oscar) que se relacionam com o mundo - e especialmente com os homens - de forma muito diferente. Sei que você deve estar pensando que deve ser mais um desses filmes episódicos arrastados e fragmentados, mas não é. Apesar de episódico, Garcia faz com que os personagens de uma trama façam participações especiais nas trama de outra personagem, o que só reforça que todas habitam o mesmo universo narrativo. Todo o cuidado e carinho com que conta a vida dessas mulheres fica ainda mais evidente quando no desfecho põe suas palavras na boca de Camero Diaz ao especular sobre uma mulher encontrada morta com indícios de que seja suicídio. Num momento emocionante, Diaz demonstra que pode fazer muito mais do que se acha capaz no cinemão americano e sua química perfeita com Amy Brenneman ressalta os contornos inusitados e bem delineados das relações traçadas por Garcia (afinal, a irmã cega mostra-se mais independente e perceptiva do que sua irmã que é detetive).  Como se não bastasse desenvolver personagens femininas tão interessantes, o diretor ainda nos brinda com as últimas cenas dos episódios ao fim da sessão, guardando as esperanças de suas mulheres até o último momento. Diante de tanta atenção com os anseios femininos, o diretor pode até se dar ao luxo de contar uma piada maldosa sobre a criação da primeira mulher (para depois se chamar de tolo em uma das estreias mais maduras dos anos 2000).

Coisas que você pode dizer só de Olhar para Ela (Things You Can Tell Just by Looking at Her/EUA-2000) de Rodrigo Garcia com Glenn Close, Cameron Diaz, Amy Brenneman, Kathy Baker, Danny Woodburn, Holly Hunter, Calista Flockhart, Matt Craven, Miguel Sandoval, Valeria Golino, Gregory Hines e Noah Fleiss.  ☻☻☻

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