As crianças: a marca da maldade?
Lembro quando A Fita Branca ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2009 e só acumulou prestígio até o Oscar do ano seguinte. Ter ganho o Globo de Ouro na categoria de Filme Estrangeiro só colaborou para o clima de "já ganhou". Seu maior concorrente era "O Profeta", igualmente nascido para as premiações em Cannes e igualmente celebrado. Mas na hora H, todo mundo se surpreendeu quando o filme cheio de pompa de Michael Haneke perdeu o Oscar para o argentino O Segredo dos Seus Olhos, um filme tão diferente de seus concorrentes que fica difícil de comparar. O fato é que A Fita Branca é um filme lento, em preto e branco, perturbador e que se constrói aos poucos em meio às situações desagradáveis pautadas num mistério que permanece sem resposta ao final. A trama é contada em 1914, antes da declaração da Primeira Guerra Mundial e o cenário é um vilarejo modesto nos cafundós da Alemanha. Este vilarejo começa a sofrer uma série de crimes misteriosos onde todo mundo é suspeito - até se tornar uma vítima. Logo de início o médico do vilarejo sofre um acidente e fica internado por muito tempo. Dias depois outro acidente vitima a matriarca de uma família modesta que deixa o filho mais velho revoltado pelas péssimas condições de trabalho a que são submetidos na lavoura do Duque da região. Não demora muito para que uma plantação seja destruída, um celeiro seja incendiado, pessoas fiquem desempregadas, um personagem se suicide e duas crianças desaparecçam para que sejam encontradas gravemente feridas. Não bastasse todas essas mazelas, todos os personagens da cidade são submetidos a uma rigidez absurda em suas relações e as maiores vítimas são as crianças. Nas famílias elas são ubmetidas a castigos físicos e psicológicos - o título, por exemplo, se refere aos filhos do pastor, que depois de umas varadas devem andar com uma fita branca amarrada no braço para lembrar da pureza que devem ter. É uma estrutura social tão sufocante e repressora que qualquer demonstração de prazer deve ser rigorosamente punida (por conta disso, um dos personagens chega a ser amarrado na cama para evitar que se toque durante a noite). Haneke não dá respostas prontas, mas direciona o andamento da trama de forma que pensemos nas consequências de tanta maldade agindo no psicológico das gerações futuras (a qual, conforme relatou, teria abraçado o nazismo durante a segunda guerra e provocado o assassinato de milhões de pessoas que não se enquadravam nos padrões estabelecidos). A Fita Branca é um filme difícil de ver, seus personagens (apesar de defendidos por atores mais do que eficientes) são um bocado desagradáveis, mesmo as crianças em cena refletem a frieza das relações que vivenciam de forma contundente e perturbadora. Claro, que Haneke cria situações e personagens que parecem carregar alguma esperança numa realidade tão árida (como o menino que cuida do pássaro ferido ou a menina que diz sonhar com os maus acontecimentos), mas, entre toda a crueldade, o bom moço do filme é o jovem professor do vilarejo (que rivaliza com Dogville/2003 como um dos piores lugares para se viver). Além de ser o personagem mais simpático do filme (até torcemos pelo seu romance com uma jovem recalcada), trata-se do personagem que percebe que os efeitos daquela rigidez e violência na educação das crianças, está gerando consequências alarmantes. Diretor de filmes provocadores como Violência Gratuita (1997), A Professora de Piano (2001), Caché (2005) e Código Desconhecido (2000), Haneke nunca me pareceu tão elegante na condução de seus atores, mas isso não quer dizer que sua obra tenha se tornado mais agradável de assistir. A Fita Branca pode ser um programa árduo de se conferir, mas traz elementos importantes para pensarmos na forma como a naturalização da violência dita o rumo das gerações futuras.
A Fita Branca (Das Weisse Band/Áustria - 2009) de Michael Haneke, com Christian Friedel, Leonie Benesch, Ulrich Tukur e Ursina Lardi. ☻☻☻☻
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