O novo filme de Mark Romanek chamou minha atenção assim que eu soube que estava sendo produzido, menos pela história em si (já que na época tentava preservar os segredos da trama que depois acabaram aparecendo em todo canto na mídia) e mais pelos nomes envolvidos. Para começar o filme é baseado no aclamado livro de Kazuo Ishiguro (o mesmo de Vestígios do Dia), o roteiro foi adaptado por Alex Garland (que após o sucesso na literatura tem acertado cada vez mais em seus roteiros, especialmente os dirigidos por Danny Boyle), os nomes envolvidos no elenco são excelentes: Carey Mulligan, Andrew Garfield, Keira Knightley, Charlotte Rampling e Sally Hawkins, sem falar que sou um fã declarado da primeira experiência de Ronamek nas telonas após brilhante carreira no ramo dos video clipes. No suspense Retratos de Uma Obsessão (2002) o diretor já mostrava construir seus dramas lentamente, desvendando a complexidade de seus personagens em cenas bem construídas. Se o resultado não empolgou nas bilheterias (deixando um hiato de oito anos em sua carreira como cineasta), serviu para arrancar a última atuação memorável de Robin Williams (e que considero até a melhor de sua carreira). Em Não me Abandone Jamais sai o suspense como motivador dos dramas de seus personagens e entra a ficção científica. Mas a ficção científica entra de forma estranha, somente quando já estamos apegados aos personagens e nos causa estranhamento a forma como este ingrediente contamina a alma dos persoangens. No iníco o filme parece contar um desses dramas ingleses sobre os problemas de uma educação excessivamente repressora de um grupo de crianças. Trata-se da escola Hailsham, que aparentemente cuida de órfãos proibidos de ultrapassar os muros da instituição - para evitar que os pequenos saiam dali são contadas histórias de crianças mortas e mutiladas pela ameaça do mundo exterior. Mas tudo não poderia ser uma fantasia? "Mas que tipo de pessoa contaria histórias tão horríveis?", diz uma personagem antes de saber o que mudará sua vida para sempre. Condenadas à uma educação repressora, com roupas e brinquedos velhos vindos de doações anônimas - além de ter que realizar desenhos sem motivo aparente para uma galeria misteriosa - Hailsham está longe de ser uma escola de referência educacional. Em meio a esta gélida realiada que a tímida menina Kathy começa a se interessar por um dos seus colegas, o bom moço Tommy - que logo chama a atenção de Ruth, amiga de Kathy. A vida dos três sofre uma reviravolta quando a nova tutora (Hawkins) entrega o que de fato acontece entre os muros da instituição: eles educam clones, pessoas criadas em laboratório com a intenção de serem apenas doadoras de órgãos. A expectativa de vida deles gira em torno dos 26 anos, período em que falecem ao realizar a quarta doação. É inevitável a tristeza que cresce diante deste fato, ainda mais com os rumos do triângulo amoroso que se instala na trama. Tommy e Ruth (Garfield e Knightley quando crescidos) mantem um romance problemático, enquanto Kathy (a novamente ótima Carey Mulligan) mergulha na melancolia de seus destinos traçados. Não há escapatória. Embora o filme narre a relação dos três personagens diante do inevitável, o mais interessante é a reflexão que propõe sobre o inevitável encontro com a morte. Sem o estardalhaço sobre os conflitos éticos da clonagem humana, o filme (e o livro) incomodou muita gente que não gostou da aceitação de seus personagens perante o que lhes foi estabelecido, este detalhe incomoda ainda mais diante dos aplausos que destinam à diretora da escola (Rampling com sua expressão impenetrável) após um discurso que não lhes deixa alternativa. Ao mesmo tempo penso nos efeitos de uma educação escolar como a dos personagens, feita no isolamento, na falta de perspectivas, nas restrições, onde a aceitação do que está posto é vista como algo de que se deve orgulhar - sei que existem inúmeras simbologias presentes neste ponto e que estrapolam os limites da ficção científica alcançando o campo sociológico, psicológico e até pedagógico (será que é por acaso que a personagem de Ruth grita sua identificação com os excluídos socialmente?) - talvez brote desta aceitação (para alguns incompreensível) a maior tragédia de seus personagens. Repleto de boas atuações (Garfield se destaca num papel pequeno e Carey Mulligan alcança uma atuação até melhor que a sua indicada ao Oscar por Educação/2009), inúmeras camadas e cenas inesquecíveis (como a última cirurgia de Tommy, a tentativa de conseguir um adiamento, o questionamento se os clones teriam alma ou a triste cena final de Kathy contemplando a inevitabilidade de sua solidão), Romanek comprova ser um cineasta de mão cheia. Só espero que não demore tanto para fazer outro filme.
Não me Abandone Jamais (Never Let me Go/Reino Unido-EUA/2010) de Mark Romanek com Carey Mulligan, Andrew Garfield, Keira Knightley, Charlotte Rampling e Sally Hawkins. ☻☻☻☻
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