sábado, 2 de janeiro de 2016

CICLO FILMES D+: Trainspotting

McGregor: Renton em crise.

Difícil imaginar que o segundo filme de Danny Boyle completa vinte anos em 2016. Trainspotting gerou polêmica quando foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes, mas bastou entrar em cartaz ao redor do mundo para que todos reparassem as qualidades do longa assinado pelo cineasta, que dois anos antes foi chamado de Tarantino europeu por seu trabalho em Cova Rasa. Trainspotting ressaltava o gosto do cineasta pelo humor negro, além da capacidade de injetar simpatia em personagens que se tornariam facilmente repulsivos. Baseado no livro de Irvine Welsh, o maior desafio de Boyle era manter o ritmo vertiginoso da narrativa em sua transposição para imagens e, a julgar pela cena inicial onde Mark Renton questiona as escolhas do homem comum, a tarefa já foi cumprida a contento. A saga junkie de Renton (Ewan McGregor, espetacular) e seus amigos, recebeu críticas por glamourizar o uso da heroína, o que só pode ser coisa de quem não viu o filme, já que está presente a degradação física e mental dos personagens em toda a história, especialmente na vida de Tommy (Kevin McKidd) que tem a vida cada vez mais deprimente. Outros amigos de Renton são Sick Boy (Jonny Lee Miller), o psicótico Begbie (Robert Carlyle) e o estranho Spud (Ewen Bremner), que passam o tempo desempregados em pubs e bebedeiras, além de realizando conquistas amorosas nem sempre bem  sucedidas. O filme acompanha a vida dos personagens com a ajuda de uma fotografia que não embeleza nada (sobretudo aquele banheiro que entrou para a história como o mais nojento de todos), edição nervosa e uso inusitado de câmera (como Renton afundando no tapete ou mergulhando num vaso sanitário). Entre festas regadas à música eletrônica (Irvine Welsh foi um dos primeiros autores a retratar a cultura rave na literatura), pesadelos e crises de abstinência, existe a história dos dilemas de Renton diante dos seus amigos e de sua própria alienação. Sorte que Danny Boyle era descolado o suficiente para não cair nas armadilhas do melodrama e entrega um filme moderno, pulsante e extremamente bem lapidado em seu visual de sarjeta. McGregor virou astro a partir daqui, embora nunca mais tenha recebido um papel tão desafiador, resta  esperar o dia em que a sequência (Porno, também baseada num livro de Welsh) sairá finalmente do papel e ver se o moço ainda dá conta de um personagem tão complicado depois de anos fazendo bons moços em Hollywood (e acho que a resposta é "sim"). Enquanto a continuação não sai, vale rever Trainspotting (que foi o filme mais lucrativo de 1996 e foi indicado ao Oscar de roteiro adaptado), seu clima indie noventista e sua trilha sonora que marcou época (ressuscitou Lust for Life do Iggy Pop e globalilizou o techno do Underworld), além de perceber que entre o cômico e o trágico, o filme encontra um raro equilíbrio na abordagem de um tema tão perigoso. 


Trainspotting (Reino Unido/1996) de Danny Boyle com Ewan McGregor, Jonny Lee Miller, Robert Carlyle, Ewen Bremner, Kevin McKidd, Kelly MacDonald e Peter Mullan. ☻☻☻☻☻

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