Blanchett e Lily: um conto de fadas como ele deve ser.
Se na década de 1990 alguém dissesse que Kenneth Branagh seria responsável por grande sucessos adaptando Thor (2011) e Cinderela para o mundo de carne e osso, provavelmente, esse alguém seria ridicularizado em público. Por isso mesmo, acho muito interessante como Branagh passou de suas celebradas adaptações shakesperianas para filmes pipoca sem complexos (com um enorme hiato no meio). Quem conhece o trabalho do diretor a frente de Henrique V (1989), Muito Barulho por Nada (1993) e até Hamlet (1996) consegue identificar fácil a sua assinatura nos filmes do Deus do Trovão e da mocinha com sapato de cristal, afinal, a intensidade com que o diretor conduz seus personagens é a mesma, independente de quem escreveu a história. Dos embates de Thor com Odin e de Cinderela com a madrasta, percebe-se a diferença de um diretor com a mão firme e a certeza do que é necessário para que a coisa não descambe para o ridículo (até porque ele já caiu nessa armadilha algumas vezes). Em Cinderela, a refilmagem que a Disney preparou para os cinemas em 2015 e que se tornou um sucesso mundial justamente por não modernizar a clássica história da Gata Borralheira, mas por ser fiel à história original. Da abóbora que vira carruagem, dos ratinhos amigáveis, passando pela Fada Madrinha e o sapatinho de cristal está tudo ali, a diferença é uma pequena conspiração palaciana que não altera em nada o andamento da história. Lily James (a prima chatinha da série Downton Abbey) mostra-se uma bela escolha para viver Cinderela, ela consegue ser bondosa e virtuosa na medida certa, sem ter aquele ar de mocinha sem sal de novela da Globo. Algo que mostra-se essencial, já que o roteiro se alimenta das virtudes da personagem perante as humilhações sofridas nas mãos de sua torpe madrasta (vivida com gosto por Cate Blanchett) e suas filhas tenebrosas. A história todo mundo já conhece: a bondosa mãe da personagem morre, o pai dela se casa novamente com uma mulher de índole suspeita e ao morrer, sua filha torna-se criada da casa. O filme consegue se sair bem dessa transição de herdeira para empregada da família, assim como no desenvolvimento do romance com o príncipe (Richard Madden, que eu nem reconheci que era o Robb Stark de Game of Thrones), que acontece de forma menos súbita do que conhecemos. No entanto, a parte que eu mais gostei foi o aparecimento da Fada Madrinha vivida por Helena Bonhan Carter, bem humorada e um tanto baratinada, a cena demonstra como Kenneth Branagh não tem medo de abraçar a magia do conto de fadas, com um lagarto transformado em lacaio, um ganso em cocheiro e ratos que se tornam cavalos de uma carruagem de abóbora. Do vestido azul cintilante, ao momento onde tudo se desfaz à meia-noite, o filme se ilumina de uma forma notável. Kenneth Branagh acertou de novo e o motivo é bem simples: levar a sério personagens que pouca gente levaria diante de uma câmera.
Cinderela (Cinderella/EUA-Reino Unido / 2015) de Kenneth Branagh com Lily James, Cate Blanchett, Helena Bonhan-Carter, Richard Madden, Stellan Skarsgaard, Ben Chaplin e Hayley Atwell. ☻☻☻
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