Os Michaels: bombeiros incendiários.
O livro Fahrenheit 451 de Ray Bradbury foi lançado em 1951 e provocou arrepios por ser uma ficção científica que apresentava um futuro distópico onde livros são queimados há tanto tempo que os responsáveis pelo serviço nem se perguntam mais o motivo desta ação. Vistos como ameaça por confundir a cabeça da humanidade frente às ideias divergentes, destruir livros de toda espécie seria a melhor medida para manter a paz e a harmonia entre as pessoas. O livro chamou tanta atenção que recebeu uma clássica versão para o cinema pelas mãos de François Truffaut em 1966 com Oskar Werner, Cyrill Cusack e Julie Christie no elenco. O tempo aumentou a aura de cult do filme e o sedimentou como uma dessas obras de qualidades indiscutíveis. Demorou para que alguém tivesse coragem de fazer uma nova versão para a obra. Produzido pelo astro ascendente Michael B. Jordan e dirigido por Ramin Bahrani (99 Casas/2014), o filme não tem a mínima intenção de rivalizar com um clássico de 52 anos de idade e... nem poderia. As reflexões que o filme original deixavam latentes durante a narrativa, aqui aparecem exploradas apenas superficialmente em situações que se resolvem facilmente, sem que o espectador tenha muito tempo para pensar sobre o que está vendo, o efeito é de que tudo foi reduzido a um cinema espetaculoso um tanto desengonçado. Feito para HBO, o filme tem Michael B. Jordan como o bombeiro Guy Montag, que aos poucos começa a questionar as sucessivas apreensões e destruição de livros ao longo de sua carreira de bombeiro. Ele é o discípulo mais próximo de Capitão Beatty (Michael Shannon), responsável pelas apreensões e detenções dos chamados Enguias (pessoas que escondem e traficam livros para que não sejam destruídos), mas um conjunto de fatos irá fazê-lo questionar o motivo dos livros serem tão ameaçadores. O mais interessante desta adaptação é como eles atualizam algumas questões presentes no livro e no filme, levando em consideração a internet e o embate de discursos fluídos que tomaram conta do mundo pós-moderno e a recente "pós-verdade". O texto faz clara alusão à censura e o discurso de que ela serve para o bem das pessoas que não sabem lidar com as informações que chegam até elas, mesmo que isso custe o atrofiamento intelectual da sociedade. Sim, trata-se de um discurso bastante atual e assustador, mas o problema é que ao privilegiar as cenas de ação, o filme deixa de lado o que a história tem de mais interessante - seja sobre o protagonista que precisa ler escondido, já que um sistema operacional lhe faz companhia (ou seria vigia) o tempo inteiro - ou o capitão que mantem pequenos pedaços de papel e uma caneta para escrever as reflexões que aparecem em sua mente nas noites solitárias em casa. Com a maior parte das cenas feitas à noite, as cenas são muito escuras (talvez para ampliar o efeito da poluição visual dos prédios que funcionam como grandes telas de notícias com smiles, caverinhas, corações e mensagens subindo como se fosse a tela de uma rede social), visualmente o filme também se torna cansativo e não consegue explorar muito o universo que tem em mãos. Fahrenheit 451 não serve para muito mais do que assistir e esquecer, se você não tem acesso ao filme de Truffaut, melhor ficar com o livro que ganhou uma nova edição recentemente.
Fahrenheit 451 (EUA-2018) de Ramin Bahrani com Michael B. Jordan, Michael Shannon, Dylan Taylor, Sofia Boutella, Raoul Bhaneja e Cindy Katz. ☻☻
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