John Wick e seu novo cão: violência de outro mundo.
Recentemente a cineasta Marry Harron (do cult Psicopata Americano/2000) mencionou que existe muito mais violência na trilogia John Wick do que em Coringa (2019) e mesmo assim, o filme estrelado por Joaquin Phoenix despertou muito mais polêmicas, críticas e policiamentos... o que Marry disse não é novidade alguma, mas causa estranhamento por tocar na forma como percebemos a violência hoje, inclusive como entretenimento. Esta discussão é longa, demorada, densa demais para se esgotar aqui, mas vamos criar um recorte: as mortes que emergem desta comparação. Se você procurar na internet verá que contaram quantas pessoas o personagem vivido por Keanu Reeves matou em seus três filmes. Foram 84 mortos em sua estreia, De Volta ao Jogo (2014). Animado com o sucesso, o roteirista se empolgou e foram mais 128 na sequência, John Wick 2 (2017). Na terceira parte a conta foi mais modesta, 94 assassinados. No total foram 306 corpos (a maioria sem nome ou história e isso ajuda o público a não notar a alta incidência de mortes na trilogia). Se levarmos em consideração que Wick é um assassino profissional de longa carreira e que o filme é só uma parte de sua história, a coisa pode ficar ainda mais assustadora. Em termos de comparação, os assassinos da franquia Sexta-Feira 13 e Halloween somam 297 vítimas, só que em 23 filmes que atravessaram décadas para serem lançados. Já Coringa não chega nem perto disso. Talvez a maior diferença entre Wick e Coringa é que o primeiro apresenta a violência de forma estilizada, criativa, com movimentos de câmera espertos numa sucessão de acontecimentos tão rápidos que a preocupação do espectador é que Wick sobreviva, afinal ele é um cara que havia cansado desta vida de assassino, mas mataram o cachorro dele e foi tragado para esta rotina novamente quase sem querer. Já em Coringa a violência é mais psicológica, mais silenciosa e incômoda embora menos explícita e por isso mesmo, por seu tom contemplativo, preocupa por deixar o espectador elaborar sobre o que está acontecendo e, acrescente a isso, a surpresa de um filme sobre histórias em quadrinhos que é mais sério e denso do que a maioria que chega aos cinemas. Deixando toda esta discussão de lado, quando John Wick estreou ninguém dava nada por ele, tanto que não foi lançado nos cinemas daqui. Keanu Reeves estava num daqueles períodos em que não acertava um sucesso e ninguém deu bola para seu fiapo de história sobre vinganças que se empilhavam. Mas De Volta ao Jogo fez tanto sucesso ao chegar on demand que logo perceberam que estavam diante de uma mina de ouro. A graça era justamente a criação de um mundo paralelo de assassinos profissionais, que respeitam regras próprias e que Wick tentava se livrar disso. Todo mundo sabe que Reeves tem aquela característica estranha, que consegue ser desleixado fora da dela e a elegância em pessoa em filmes de ação, o que foi crucial para a empatia que sentimos pelo personagem. Some isso ao pobre cãozinho morto por assassinos desalmados e torna-se mais fácil perceber para quem se torce nesta trilogia. No segundo filme ele ainda tenta se livrar deste mundo de assassinos e acaba desobedecendo o código de honra de seus pares, o que lhe rende mais cenas de ação espetaculares e mais perseguições desenfreadas. O terceiro filme, John Wick: Parabellum reflete mais ainda a popularidade do personagem agregando novos personagens à sua trajetória, contando até com duas atrizes oscarizadas (Anjelica Huston em pose de diva e Halle Berry, sempre linda e confortável em filmes do tipo) para dar um reforço na jornada contra vilões de cara feia. A história pouco importa nos três filmes, mas os produtores sempre entregam o que o público deseja: tiros, ação, lutas coreografadas e situações absurdas. Todo mundo sabe que aquelas situações não funcionariam no mundo real e, mesmo assim, a plateia vibra com aquelas peripécias contra as leis da realidade. É um elogio ao absurdo dos filmes de ação e por isso mesmo, agrada quem curte o gênero. Neste ponto, difere de Coringa, que adiciona elementos do mundo complexo que vemos hoje sob o olhar de uma pessoa com problemas psiquiátricos que se alimenta justamente disso. Wick é o oposto, ele não vive nesta realidade, vive em outro planeta.
De Volta ao Jogo (John Wick/EUA-2014) de Chad Stahelski com Keanu Reeves, Willem Dafoe, Michael Nyqvist, Alfie Allen, Adrianne Palicki, John Leguizamo, Ian McShane e Lance Reddick. ☻☻☻☻
John Wick 2 (John Wick Chapter 2 / EUA-2017) de Chad Stahelski com Keanu Reeves, Riccardo Scarmarcio, Ian McShane, Ruby Rose, Common, Laurence Fishburne e John Leguizamo . ☻☻☻.
John Wick 3 Parabellum (EUA-2019) de Chad Stahelski com Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Halle Berry, Mark Dacascos, Lance Reddick e Anjelica Huston. ☻☻☻☻
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