domingo, 24 de maio de 2020

NªTV: Little Fires Everywhere


Reese e Kerry: relação complicada. 

Sabendo que a série Little Fires Everywhere entraria em cartaz no Prime Video no dia 22 de maio eu corri para ler o livro Pequenos Incêndios por Toda Parte de Celeste Ng. Confesso que li bem rápido, em uma semana, já que a autora constrói uma narrativa que prende a atenção em torno dos acontecimentos que precederam o incêndio na casa da família Richardson. Apesar do livro se enrolar em algumas situações, a trama merece atenção menos por quem praticou o crime e  mais nas entrelinhas da relação entre os Richardson com duas recém chegadas na vizinhança, Mia Warren e a filha Pearl. Temas como preconceito, privilégios e, principalmente, maternidade aparecem a todo instante, compondo um cenário bastante rico e que leva o espectador a acompanhar as duas matriarcas complexas em suas qualidades e defeitos. Durante todo o livro é difícil não concordar ou discordar de ambas em alguns momentos e, por isso mesmo, o livro se torna tão interessante. São duas lógicas em conflito. Duas escolhas e suas consequências que se esgarçam quando os filhos começam a crescer e procurar seus próprios caminhos e histórias. Não por acaso Reese Whiterspoon se interessou pela história e convidou Kerry Washington para somar ainda mais camadas nesta história. O livro não cita que Mia é sua filha são negras (cita em alguns momentos que o cabelo de Pearl é crespo e só), mas este detalhe faz com que a história aprofunde ainda mais questões raciais. A minissérie é bastante fiel à espinha dorsal do livro, mas explora outras vias dos personagens para dar ainda mais corpo aos oito episódios que compõem a produção. Assim, explora ainda mais a história de Elena Richardson (seu passado no livro é apenas um vislumbre da complicada chegada da filha caçula) e ainda conta mais detalhes de sua vida sexual (a discussão de Monólogos da Vagina no Clube de Literatura não existe e aqui serve de pontapé para ver a relação que a personagem faz entre sexo e maternidade, o que explica muito sobre suas frustrações no casamento). 

Kerry e Lexi: segredos em nome do amor maternal. 

Outra personagem que ganhou mais destaque é justamente a filha caçula, Izzy (Megan Stott) que tem sua sexualidade mais explorada, se tornando um ponto importante em sua inadequação ressaltada no livro. De certa forma, Mia também recebe novas nuances, não apenas por sua cor de pele, mas por sua personalidade que é apresentada de forma mais amarga e severa diante do segredo que esconde.  Na pele de uma artista que precisa de vários empregos para se sustentar, Kerry está ótima como a personagem que intriga a jornalista vivida por Reese. Juntas elas tem embates calorosos que se expande para seus próprios filhos - o que torna o programa ainda mais emocionante. Conforme Pearl (a ótima Lexi Underwood) se aproxima dos jovens Richardson, o tímido Moody (Gavin Lewis), o conquistador Trip (Jordan Elsass), a popular Lexie (Jade Pettyjohn) e Izzy, o que vemos é o choque entre dois mundos dentro na perfeição ilusória da planejada Shaker Heights (vale a pena procurar a história desta cidade). Vale ressaltar que em vários momentos a minissérie encontra caminhos mais enxutos para o que está no livro (repleto de digressões e coincidências). Aqui vários elementos aparecem mais fluidos e encaixados na trama, deixando claro que fizeram uma boa transição do livro para a televisão. Embora aborde várias questões que nunca perdem a atualidade, a trama é ambientada nos anos 1990 e toda a reconstituição de época emolduram ainda mais os comportamentos e situações que vemos aqui. Ouvi algumas pessoas comparando a Helena de Reese com seu papel em Big Little Lies (outro livro que virou série), na verdade a Helena é a versão crescida de outra personagem da atriz, a Tracy Flick de Eleição (1999). Também vi gente falando que as expressões de Kerry nunca deixam claro se ela esta preocupada ou com raiva, quando na verdade ela sente tudo ao mesmo tempo em suas incertezas diante do que lhe aconteceu. Com a complexidade de suas protagonistas e a trama cheia de mistérios Little Fires Everywhere pode até soar novelesco demais, mas é um dos destaques televisivos do ano e merece fazer bonito nas premiações. Vale ainda destacar que este é o último trabalho da cineasta Lynn Shelton que faleceu recentemente e dirigiu quatro episódios (incluindo o primeiro e o último, fundamentais para o tom da produção). Uma belíssima despedida. 

Reese e seus filhos: o peso da perfeição nunca alcançada. 

Little Fires Everywhere (EUA-2020) com Reese Whiterspoon, Kerry Washington, Joshua Jackson,  Lexi Underwood, Rosemery Dewitt, Gavin Lewis, Megan Stott, Jordan Elsass, Jordan Pettyjohn, Lu Huang e Stevonte Hart. ☻☻

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