Holly e Anna: oscarizadas em sintonia perfeita.
Eu deveria ter uns dezesseis anos quando assisti O Piano pela primeira vez. Eu tinha todas as expectativas que podiam ser geradas pelo fato de que era um dos mais falados e premiados de seu ano de lançamento. No Oscar de 1994, muitos críticos torciam para que esse filme independente de forte marca neozelandesa levasse a melhor sob o concorrente A Lista de Schindler de Spielberg. Trata-se de dois filme bastante diferentes, mas, naquele tempo, eu já entendia os motivos de adoração à obra-prima de Jane Campion. O Piano foi o terceiro longa da cineasta que ficou famosa com suas participações no Festival de Cannes e serviu para inserí-la no seleto grupo de cineastas femininas indicadas ao Oscar de direção. Mesmo sendo de época, o filme está longe de ser convencional, não que utilize edição acelerada ou modernices, mas o filme tem um estilo bastante próprio ao contar a história de Ada McGrath (Holly Hunter, estupenda e premiada com o Oscar de atriz), uma mulher que não fala desde os seis anos de idade e que muda-se para a recém colonizada Nova Zelândia para consumar um casamento arranjado pelos seus pais. Ela chega naquele país desconhecido com algumas malas, a filha pequena chamada Flora (Anna Paquin, talentosa desde a infância, pelo papel recebeu o Oscar de atriz coadjuvante aos onze anos) e um piano. Mal sabia que para chegar à casa do noivo, Alisdair Stewart (Sam Neil) ela teria que atravessar mangues, bosques e muita lama. Por esse motivo, Alisdair não leva o piano para a casa em que irão morar. O instrumento fica na praia. Sabemos pouco sobre a história da protagonista, tendo que nos contentar com as histórias (fantasiosas?) de Flora. O relacionamento de Ada com o noivo é conturbado desde o início (e a presença infantil de Flora gera algumas situações engraçadas que enfatizam ainda mais as diferenças) - especialmente porque existe um piano abandonado entre eles. É quando o rústico Georges Baines (Harvey Keitel, num papel bem diferente do que acostumamos vê-lo) decide levar o piano para sua própria casa e um acordo com Ada se estabelece. É através de cada tecla do priano que fica estabelecido um jogo de sedução entre Georges e Ada. Aos poucos, Ada seduz Georges através da música, o que desperta o lado mais ciumento do então gentil Alisdair. Campion constrói uma história hipnótica sobre o nascimento de um amor proibido rodeado de ciúmes. Ciúme que nasce intrinsecamente relacionado às suspeitas de que Ada é capaz de falar com o amante e não com o esposo. Dessa tensão que Alisdair se aproxima de um ato de extrema crueldade com o auxílio quase involuntário da pequena Flora. É um contraste tão brutal que se estabelece entre a narrativa bucólica e o ato de violência cometido por Alisdair que é impossível ficar indiferente às convenções que o filme apresenta. No entanto, a cada cena, cada ato, cada tensão impressa nas situações mais triviais elaboradas por Campion estão ali para preparar o espectador para o ápice da narrativa: momento em que Ada, e seus espectadores, percebem que viver sem desejo pode ser uma verdadeira ameaça. O filme tem muitos méritos, mas o maior deles está no rosto expressivo de Holly Hunter e em sua dolorosa cena rumo ao desfecho. Holly despedaça nosso coração e merece que O Piano fique para sempre em nossa memória com uma pintura irretocável que se move diante de nossos olhos.
O Piano (The Piano/ Nova Zelândia-França-Austrália/1993) de Jane Campion, com Holly Hunter, Anna Paquin, Harvey Keitel e Sam Neil.
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