In-Yoo, Jun e Steven: literalidade assustadora.
Ganhador do prêmio FRIPESCI no Festival de Cannes em 2018 e presente em várias lista de melhores filmes daquele ano, o sul-coreano Em Chamas teve distribuição modesta no Brasil e merece atenção pelo clima de tensão que constrói gradativamente através do poder da sugestão. Assim como o protagonista, nós preenchemos as entrelinhas sobre o que vemos na tela (e fazemos com certo arrepio, já que eleva este drama adolescente com comentários sociais a um suspense psicológico - que poderia muito bem ser um filme de horror se o diretor não optasse por deixar boa parte das atrocidades fora de cena, apenas fermentando em nossas cabeças). O protagonista é Lee Jong-Su (Ah In-Yoo) um rapaz solitário que reencontra uma amiga de infância, Hae-mi (Jong-seo Jun) e os dois logo reestabelecem o forte vínculo. Nasce uma espécie de namoro que nunca é classificado como tal, mas que preenche a rotina solitária do rapaz pobre que trabalha como entregador. A vida de Hae-mi não é muito diferente, mas seu ânimo perante a vida traz novas cores para vida de Jong-Su. Ela mora num apartamento minúsculo, que divide com um gato, que nunca aparece, e perante uma viagem que ela precisa fazer, ela precisa que o amigo cuide do felino diariamente. Este é o primeiro ato do filme que segue sem maiores surpresas por quase uma hora (o maior enigma na história é o tal gato invisível), mas o diretor Chang Don Lee muda logo o tom das coisas com a chegada de Ben (Steven Yeun). Rapaz de família rica que se tornou amigo de Hae-mi na viagem. O trio logo parece formar um triângulo amoroso em meio aos encontros e os diálogos sugestivos que começam a aparecer. No entanto, algo parece não se encaixar. Algo parece torto, fora do lugar e só piora quando Ben conta um hábito estranho que possui já há algum tempo - o qual pratica com regularidade a cada dois meses e que, em breve, executará novamente. É neste detalhe que Em Chamas coloca ali a peça que faltava para que nossas desconfianças se concretizem de que algo terrível irá acontecer. Quando algo inesperado acontece, nosso olhar, assim como de Jong-Su parece apontar para o mesmo caminho. Detalhes começam a aparecer, nosso olhar sobre a história muda e instaurou e as suspeitas apontam cada vez mais para o mesmo lugar. Chang Don-Lee assina o roteiro (ao lado de Jungmi Oh) baseado no conto de Haruki Murakami (chamado Barn Burning que não irei traduzir para evitar falar demais) e traz a mesma sensação sugestiva da construção de um filme na cabeça ao ler o conto. No entanto, não satisfeito com o mistério, o cineasta tempera as relações de seus personagens com ciúme, libido e um comentário sobre as desigualdades sociais na Coréia do Sul. O título que no início parecia se referir ao sentimento entre Jong-Su e Hae-mi, logo parece se referir ao ciúme e depois à suspeita do ato terrível que um dos personagens pode ter cometido. Quando o filme terminou, confesso que o achei decepcionante. Mas ele continuou em minha cabeça ao longo da semana e se construiu de forma bem mais contundente com o tempo (e lembrei muito do Xavier Dolan ressaltando o quanto considera estúpido dizer se gostou ou não do filme assim que ele termina de ser projetado, afinal, ele terminará em nossa cabeça só depois de algum tempo). Aqui o final surpreende e faz refletir sobre nossas certezas motivando atos e consequências, mas fica ainda mais rico se fizermos uma outra leitura, que eleva os sentimentos entre os três personagens a outro nível. Ainda acho que aquele encontro final tinha um outro motivo, bem mais revelador e que não teve tempo de ser dito - o que torna o desfecho ainda mais triste depois da literalidade se instaurar.
Em Chamas (Beoning / Coreia do Sul - Japão / 2018) de Chang Don Lee com Ah-In Yoo, Steven Yeun, Jong-seo Jun, Sun-Kyung Kim e Bok-gi Min ☻☻☻☻
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