Alexander e seus convidados: início do apocalipse.
Considerado por muitos o maior cineasta russo, Andrei Tarkovsky nasceu em 1932, filho de um poeta e uma atriz, Andrei criou uma verdadeira mistura destas referências familiares ao se formar na escola de cinema de VGIK em Moscou. Desde seu primeiro filme (A Infância de Ivan/1962) ele deixou claro que seu cinema seria bastante peculiar - para o desespero dos sensores de seu país que consideravam sua obra quase incompreensível para o grande público. Aclamado mundialmente, seus filmes mesclam a realidade de seus personagens com memórias, sonhos e fantasias. Sua linguagem própria lhe garantiu uma obra digna de estudos e terminou sua carreira precocemente com O Sacrifício de 1986. Como a maioria dos filmes do diretor, a trama parte de uma ideia simples que ganha complexidade pelo rumo inusitado dos acontecimentos. Aqui o centro da história é o encontro de familiares e amigos para a comemoração do aniversário de Alexander (Erland Josephson), mas após ouvirem uma notícia no jornal, o rumo da comemoração se altera drasticamente. Gerado em meio à tensão da Guerra Fria e a ameaça constante de uma guerra nuclear, o resultado é um filme intimista sobre o temor ao fim do mundo, o medo do que poderá acontecer diante de uma ameaça que não se sabe ao certo as consequências para quem por um acaso ficar vivo (seria muito otimista dizer sorte, já que diante da devastação e recursos escassos, a vida seria completamente diferente e de provável sofrimento até o fim). A partir da notícia o diretor cria um verdadeiro pesadelo, refletido pelo desespero da esposa perante o apocalipse anunciado ou a tranquilidade da criança que dorme sem saber o que passa ao seu redor. Neste ponto é Alexander que passa a refletir mais ainda sobre sua vida, o que fez, o que deixou para trás (uma carreira promissora de ator por medo do sucesso) e principalmente a vida isolada e paradisíaca que optou por ter ao lado da esposa e do filho enquanto o mundo lá fora se despedaça. Esta parte da tragédia anunciada se torna um contraponto ainda maior com o início bucólico em que pai e filho conversam com um carteiro e que o medo maior do pai era aquele momento em que criança se perde no bosque - cena que termina com uma daquelas cenas em que o protagonista demonstra de que ações impensadas somos capazes de tomar quando estamos com medo. Esta ideia é bastante importante para que compreendamos o desfecho do filme, onde o fim daquela vida idílica é declarado pelo próprio personagem após uma daquelas saídas que fazem o cinema de Tarkovsky tão diferente. O cineasta compõe seu filme em uma tensão que evolui lentamente enquanto brinca com as cores entre os atos e deixa a sensação de desalento tomar conta da maior parte do tempo. Não é um filme fácil de assistir, mas com certeza é uma experiência inquietante. O que era o início de uma nova idade se torna o recomeço de um novo ciclo, mas que o protagonista por uma ato surpreendente (e que poderia até parecer egoísta) declara o fim do que lhe era tão cômodo e confortável. Não por acaso a cena derradeira é do menino em sua inocência perante o mundo que recebe de presente das gerações anteriores e a promessa do que seria capaz de fazer diferente (e não por acaso, a cena aos pés de uma árvore faz alusão à primeira cena de A Infância de Ivan, como se fechasse um verdadeiro ciclo na vida do cineasta). As locações na suécia motivaram ainda mais as comparações do cineasta com o estilo de Ingmar Bergman (e Josephson era um dos atores favoritos de Bergman). O filme merece uma leitura ainda mais especial quando imaginamos que o cineasta faleceu no mesmo ano de lançamento, aos 54 anos em decorrência de um câncer de pulmão.
O Sacrifício (Offret / Suécia - França - Reino Unido / 1986) de Andrei Tarkovsky com Erland Josephson, Susan Fleetwood, Sven Wolter, Tommy Kjellqvist, Guðrún Gísladóttir, Valérie Mairesse e Filippa Franzén. ☻☻☻☻
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