O elenco: assumidos dentro e fora da tela.
Escrita pela dramaturgo Mart Crowley, a peça The Boys in the Band causou certo estranhamento ao ser lançada em 1968. Ainda que fosse um musical encenado aos redores da Broadway, a série que retratava o encontro de um grupo de amigos homossexuais numa espécie de universo à parte da sociedade conservadora, no entanto, ainda lidando com o discurso repressor. A peça ainda ganhou notoriedade por contar com um elenco de atores gays assumidos numa época em que era raro sair do armário sem prejudicar sua carreira. Ao retratar uma comunidade específica em tempos que o discurso de representatividade não tinha a potência de hoje, The Boys in the Band marcou época. Com o tempo, os diálogos e contornos de alguns personagens a deixaram fora de moda e vista como um tanto antiquada. Quando o produtor Ryan Murphy (que volta suas lentes cada vez mais para personagens GLBTQI+) resolveu produzir a versão cinematográfica da peça, a expectativa foi alta, especialmente por escalar o elenco que resgatou a peça que andava esquecida dos palcos. Sendo assim, o que vemos na produção em cartaz na Netflix desde 30 de setembro é um grupo de atores que conhecem bem os seus personagens, tem familiaridade com o texto e que ainda se tornaram conhecidos por saírem do armário em uma indústria que ainda tem muito a superar em matéria de preconceitos. A ideia de ter atores gays representando gays na tela é um avanço que até pouco tempo atrás ainda era um tabu (basta lembrar das especulações de que Ian McKellen perder o Oscar por Deuses e Monstros/1998 por ser gay dentro e fora da tela - o que "diminuiria" seu trabalho na composição do personagem [sic]). Dirigido por Joe Mantello, o filme tem uma narrativa bastante fluente, que não deixa aquela sensação de teatro filmado. Com praticamente um cenário e diálogos carregados, Matello e o elenco não tem dificuldades em dar à produção um aspecto cinematográfico. Oscilando entre a comédia e o drama, o filme consegue aumentar gradativamente a tensão daquele encontro na casa de Michael (Jim Parsons) para celebrar o aniversário do amigo Harold (Zachary Quinto). Neste encontro ainda está o conquistador Donald (Matt Bomer), o casal em crise formado por Larry (Andrew Rannells) e Harold (Tuc Watkins), o extravagante Emory (Robin de Jesus), o emotivo Bernard (Michael Benjamin Washington), um garoto de programa (Charlie Carver) e o colega de trabalho de Michael, Alan (Brian Hutchinson), um heterossexual casado que funciona como contraponto aos demais personagens. Se no início o anfitrião pede para que seus convidados sejam discretos em frente ao hétero presente, aos poucos o próprio Michael vai mais lonte, perde as estribeiras e se revela cheio de conflitos e um bocado de crueldade. Das brincadeiras inofensivas, a trama avança para alguns momentos melancólicos e ofensivos em que os personagens revelam suas camadas. Neste aspecto vale ressaltar o trabalho de Jim Parsons, ator que ficou famoso mundialmente como o Sheldon da série Big Bang Theory (2001-2019) e seu trabalho aqui foi aguardado com especulações de que poderia ser até indicado ao Oscar pelo trabalho. Não é para tanto. Parsons ainda repete vários trejeitos de seu famoso personagem e por vezes fica difícil não pensar que estamos diante de uma variação de Sheldon em algum episódio da famosa série. Mais interessante é ver Zachary Quinto em um raro personagem cômico sem medo de ser desagradável ao dizer algumas verdades para quem está por perto. Embora perca o ritmo naquela brincadeira do telefonema, o filme consegue ser um retrato interessante daqueles personagens em um tempo em que o conservadorismo e o preconceito era ainda mais forte do que hoje. Com figurinos, trilha sonora e cenários caprichados o filme destaca como a alegria do encontro esconde algumas mágoas, ressentimentos e possibilidades perdidas, mas termina com a sensação de que o importante é ninguém soltar a mão de ninguém.
The Boys in The Band (EUA-2020) de Joe Mantello com Jim Parsons, Zachary Quinto, Matt Bomer, Robin de Jesus, Andrew Rannells, Brian Hutchinson, Tuc Watkins, Michael Benjamin Washington e Brian Dole. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário