sexta-feira, 16 de setembro de 2016

PL►Y: Dente Canino

A mãe e os filhos: mundo paralelo assustador. 

De vez em quando um filme bizarro consegue furar o cerco conservador do Oscar e cravar uma indicação ao maior prêmio do cinema americano. Em 2010 foi a vez do grego Yorgos Lanthimos surpreender ao ver seu terceiro longa metragem na categoria de melhor filme estrangeiro. A indicação foi  o ápice de uma trajetória que começou com o lançamento no Festival de Cannes, de onde o filme saiu com dois prêmios: um para Lanthimos como jovem diretor  e o segundo da mostra paralela Un Certain Regard. No entanto, não espere um filme fácil de assistir, já que o diretor gosta de testar os nervos da plateia. Dente Canino é a história de um casal que resolve criar os filhos afastados de qualquer contato com o mundo exterior. Pai, mãe, as duas filhas e o filho vivem numa casa isolada da cidade, onde os próprios pais são responsáveis pela educação dos rebentos. Só esse ponto de partida já seria suficiente para gerar polêmicas e discussões, mas o diretor quer mais, muito mais. Desde o início quando ouvimos uma fita dizendo significados estranhos para palavras conhecidas, percebemos que existe algo fora do lugar naquela casa. Embora já estejam saindo da adolescência, os três filhos se comportam de maneira infantilizada, criando jogos para passar o tempo e sem muita conversa, já que não há muito sobre o que falar mesmo. Em uma cena uma das filhas tortura uma boneca Barbie, em outra os três torcem para um avião cair - e brigam para saber quem será o dono dele quando chegar ao chão - e não demora muito para assassinarem um gato por considerar que o animal é capaz de matar a todos com suas garras e dentes afiados. O fato é que para afastar os filhos da crueldade do mundo, os pais constroem um mundo paralelo que mostra-se ainda mais assustador, onde peixes surgem na piscina, a mãe pode parir um cachorro e até o incesto é permitido para evitar a entrada de outras pessoas naquele mundo. Talvez todo o exagero do roteiro sirva para explorar o contraponto da velha teoria do filósofo Jean-Jacques Rousseau de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Pois é, a família também faz parte da sociedade... aqui, com toda a rigidez e controle dos pais (que afeta até a escolha das roupas dos filhos) os filhos se tornam verdadeiras bombas relógio para conseguir fugir às regras impostas. Como o próprio nome indica (afinal, o dente canino serve, principalmente para dilacerar a carne) a violência, mesmo sufocada está sempre à espreita e a câmera de Lanthimos não tem medo de fazê-la incomodar. A narrativa segue entre oscilações entre o cômico e o trágico, entre o patético e o polêmico e isso pode se tornar cansativo, principalmente por em momento algum os pais questionarem o rumo de suas ações e dos filhos que se tornam mais agressivos com o tempo. Lanthimos demonstra aqui grande inspiração no estilo de Michael Haneke, com os silêncios, o tom solene, a narrativa arrastada e as atuações quase sufocadas pela rigidez. O maior problema é que por mais que deixe algumas lacunas para o espectador preencher (que deixarei para você descobrir onde), sinto falta de uma camada a mais no filme, uma que não esteja tão disposta a chocar a plateia a cada dez minutos. Ainda assim, o filme faz pensar com uma história que seria cômica se não fosse trágica. 

Dente Canino (Kynodontas/Grécia-2009) de Yorgos Lanthimos com Christos Stergioglou, Michelle Valley, Angeliki Papoulia, Hristos Passalis e Mary Tsoni.

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