Particularmente gosto mais dos trabalhos da cineasta Claire Denis quando ela vira do avesso um gênero que imaginamos conhecer bem - e ela nos faz perceber o quanto, na verdade, apenas o associamos a lugares comuns utilizados em outros filmes ao longo do tempo. Senti isso ao assistir o recente High Life (2018), ficção científica com Robert Pattinson, mas ela já havia feito o mesmo exercício em Bom Trabalho. Ambientado em um grupo da Legião Estrangeira na costa do continente africano, o filme é narrado pelo ex-oficial Galoup (Denis Lavant), que está subordinado ao Comandante Forrestier (Michel Subor), a quem se refere com voz carregada de ressentimento. Em seus relatos, Galoup tem a atenção cada vez mais voltada para o jovem Gilles Sentain (Grégoire Colin). Entre o presente e as lembranças daquele período percebemos uma série de sentimentos ambíguos do narrador com os dois personagens, que também podem ser percebidos nas cenas sutis conduzidas pela diretora. Embora toda a ambientação do filme remeta diretamente aos filmes de guerra, Bom Trabalho segue o caminho oposto, se concentra em pequenas ações cotidianas daqueles rapazes (descascar batatas, lavar os uniformes, cozinhar, limpar...) e tarefas árduas ao sol de rachar. Quando existe uma explosão no filme, ela não é mostrada, a cineasta prefere se concentrar nas repetições dos treinamentos em uma cadência coreografada que mais parece uma dança entre os rapazes. Paralelo a tudo isso, aa diretora e a fotografia desenvolvem um verdadeiro culto aos corpos masculinos que o filme exibe. Dos músculos torneados, aos shorts curtos e momentos sem camisa, os gestos, olhares e contatos físicos sugerem um homoerotismo quase natural naquele ambiente repleto de testosterona, sendo este viés o que mais revela a razão da inquietação de Galoup diante de Sentain. Talvez a maioria dos detalhes da dinâmica entre os dois personagens seja perceptível somente em uma segunda olhada, já que nada por aqui está na superfície. Talvez a cena em que este erotismo fique mais evidente seja quando Sentain revela que não possui pai ou mãe e que foi encontrado em uma escada e o interlocutor apenas diz "mas não podemos negar que foi um belo achado". Este diálogo ressalta que talvez a tradução do titulo usando a palavra bom como tradução de beau, fosse traduzido como Belo Trabalho remeteria não apenas ao trabalho dos personagens, mas também à bela visão que o narrador possui da natureza, seja das paisagens ou dos rapazes que estão subjudados aos seus comando. É pela força das imagens e suas entrelinhas que o filme constrói sua força e, não por acaso, Denis Lavant termine o filme com uma dança mais desinibida e totalmente oposta à rigidez formal apresentada por seu ao longo do filme.
Bom Trabalho (Beau Travaill / França - 1999) de Claire Denis com Denis Lavant, Grégoire Colin, Michel Subor, Richard Courcet, Nicolas Duvauchelle, Giuseppe Molino e Adiatou Massudi. ☻☻☻☻
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