sexta-feira, 5 de maio de 2023

#FDS Estranha Onda Grega: Kinetta

 
Evangelia e Aris: atração platônica pela morbidez. 

Nosso #FimDeSemana do mês fica por conta da nova geração de cineastas gregos que causaram estranhamento no cinema mundial no mesmo período em que a crise política e econômica da Grécia começou a se instaurar. Embora não sinalizassem formalmente um movimento cinematográfico, havia uma série de características que provocou uma nova onda de filmes locais. Atuações contidas, valores embaçados, personagens em crise de identidade, mistura de drama e comédia beirando o ridículo, um tanto de absurdo, longos silêncios e o inevitável choque do público com a quebra de paradigmas. Estas são algumas características que geraram o rótulo da Estranha Onda Grega e teve Yorgos Lanthimos como o nome que chamou atenção para algo de diferente que acontecia nas produções cinematográficas do país. Quando Dente Canino (2009) ganhou dois prêmios no Festival de Cannes (Un Certain Regard e Prêmio da Juventude) e depois foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro, Lanthimos se esquivava quando lhe perguntavam sobre um movimento cinematográfico e afirmava que a união destes cineastas vinha em realizar filmes de maneira independente em uma economia em crise, sem incentivos ou subsídios. A turbulência comentada mundialmente, logo deu espaço para obras que falavam de crises sobre as relações humanas motivadas por problemas sociais e econômicos. Antes  que a falência se deflagrasse e o nome da onda grega surgisse, Lanthimos lançou Kinetta, longa que considera seu filme de estreia (ele desconsidera seu longa anterior, Meu Melhor Amigo/2001, feito em parceria com o roteirista Lakis Lazopoulos, mas houve tantas intervenções e problemas na execução do filme que Lanthimos não se reconhece nele). Ainda que o filme tenha amargado críticas negativas e escassez do público, aqui podemos ver muito do estilo que faria a fama mundial do diretor. O filme conta a história de três personagens, uma camareira (Evangelia Randou), um fotógrafo (Aris Servetalis) e um homem obcecado por BMWs (Costas Xikomnos) que se encontram para recriar cenas de assassinato. As recriações ocorrem de forma tão ensaiada quanto artificial narrada junto à voz sem emoção do diretor da cena. O resultado é estranhíssimo, mas aos poucos revela um pouco mais do trio protagonista. Se por um lado pode se ressaltar a atração que os três possuem por esse tipo de crime, também se pode associar as encenações com a crise de identidade bastante frequente na obra de Lanthimos. A câmera distante dos personagens, os rostos escondidos, a ausência de nomes, tudo isso trabalha para um distanciamento daqueles sujeitos. O mais curioso é que no meio de toda a rigidez e frieza sugerida pelo filme (embora se passe numa paisagem aparentemente turística), Evangelia Randou e Aris Servetalis (que também atuou em Alpes/2011 e no excepcional Fruto da Memória/2020) apresentam uma química impressionante, que confere à produção uma aura de uma bizarra história de amor. Existe algo realmente platônico entre os dois, especialmente na forma como ele cuida dela cada vez que ela se fere (acidentalmente) ao encenar aquelas cenas. Com a edição truncada (algo que o diretor refinaria em suas produções seguintes) e poucos diálogos (a primeira metade é praticamente sem conversas entre os personagens), Kinetta se torna um programa árido para o espectador, o que não impede de revelar o talento do interessante cineasta que nascia ali e que partiria para carreira internacional dez anos depois, muito por conta da dificuldade em financiar seus projetos no país de origem. 

Kinetta (Grécia/2007) de Yorgos Lanthimos com Evanglelia Randou, Aris Servetalis, Costas Xikominos, Babis Galiatsatos e Ektoras Kaloudis.  

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