domingo, 21 de maio de 2023

KLÁSSIQO: O Globo de Prata

 
Andrzej e Grazyna: um novo mundo em caos.

Quatro astronautas acidentam a nave ao aterrizarem em um planeta com condições semelhantes à Terra. O planeta, aparentemente sem habitantes, instiga o grupo formado por três homens e uma mulher que começa a ter conflitos entre si enquanto começam a explorar aquele novo mundo. Equipados com uma câmera, eles planejam registrar o que observam para envio futuro à Terra. No início, eles não fazem ideia que sem condições para voltarem ao planeta de origem, eles se tornarão responsáveis por boa parte da população daquele planeta. Quando a primeira filha gerada entre eles nasce, nota-se que ela envelhece mais rápido que as da Terra, assim, conforme o tempo passa, cada astronauta terá um papel dentro da história dos ancestrais daquele lugar. A única mulher se transforma na grande mãe dos habitantes, o progenitor do primeiro nascido se torna uma lenda e, aos poucos, outro se torna uma figura tão adorada quanto temida pelos habitantes, se tornando uma espécie de profeta com seus relatos que se realizam ao longo do filme numa verdadeira saga de relações de poder,  adoração e loucura. O Globo de Prata é baseado nos livros de Jerzy Zulawski, tio do cineasta polonês Andrzej Zulawski que decidiu fazer da obra seu terceiro longa-metragem. Concebido para ser um épico de ficção científica a ser lançado em 1977, o longa mas teve problemas com a ditadura comunista da Polônia que determinou o fim das gravações e a destruição de toda a produção. Com oitenta por cento do filme concluído, Zulawski retomou o material e lançou em 1988 uma versão que substitui as cenas ausentes com trechos filmados nas ruas do pais e narrativas em off. Embora não tenha sido essa a ideia inicial do diretor, o recurso só ressalta o estranhamento diante do filme que toca em temas delicados pertinentes à humanidade (incluindo a construção dos mitos, a religiosidade e os governos) com um visual arrebatador, de forma que o público pode interpretar as cenas contemporâneas da forma como quiser em sua aleatoriedade. Da fotografia em tons de azul e verde, passando pelos figurinos sombriamente exuberantes e as criaturas aladas que aparecem lá pela metade, torna-se notável o empenho dos envolvidos realizarem um marco da ficção científica. Talvez a parte mais perturbadora do filme seja a chegada de Marek (Andrzej Seweryn), astronauta absorvido por aquela população como um enviado dos céus para governa-los e que aos poucos enlouquece diante da importância que lhe é dada naquele mundo. A ascensão de Marek compõe o segundo ato do filme em meio aos ataques dos nativos daquele mundo e a aparição de uma comunidade subterrânea, que proporciona ao filme cenas um tanto perturbadoras. No terceiro ato, O Globo de Prata esgarça suas analogias com a história da humanidade, com mortes, torturas e crucificações em nome de uma melhoria que ninguém sabe ao certo qual é (além da constante espera de que algo celestial apareça para dar sentido a tudo). A mistura do roteiro com o visual exuberante alcança um resultado que é tão impressionante quanto pessimista, o que colaborou muito para que a produção se tornasse um filme digno de culto. Apesar de todos os percalços até seu lançamento dez anos após sua filmagem, torna-se visível a concepção radical de Andrzej Zulawski perante a história e a exuberância da criação de um mundo próprio que funciona como um espelho para o nosso. Considerado por alguns como uma obra maldita ou perdida através do tempo, fosse refeito hoje, o filme se tornaria uma trilogia diluída em cenas de ação e efeitos especiais, mas seria interessante ver como suas ambiguidades seriam tratadas nos dias atuais. Mesmo com cenas ausentes, O Globo de Prata alcança quase três horas de duração no formato de um épico vertiginoso que se fecha num fôlego só. 

O Globo de Prata (Na Srebrnym Globie/Polônia - 1988) de Andrzej Zulawski com Andrzej Seweryn, Jerzy Trela, Grazyna Dylag, Waldemar Kownacki, Iwona Bielska, Jerzy Gralek e Maciej Góraj. ☻☻

Nenhum comentário:

Postar um comentário