O cavalo e seus donos: a monotonia da vida.
Em 3 de janeiro de 1889, ao ver um cavalo ser açoitado violentamente, filósofo Friederich Nietsche se jogou na frente da carroça, abraçou o cavalo e chorou copiosamente. Levado para casa, Nietsche ficou em silêncio por dois dias. Sobre o cavalo, nada sabemos. Desta história peculiar nasceu a inspiração do cineasta húngaro Béla Tarr realizar O Cavalo de Turim (ao lado de sua parceira regular Ágnes Hranitzky), filme que anunciou ser seu último trabalho como cineasta, uma vez que ao finaliza-lo considerou não haver mais nada de novo a que fazer em sua carreira como diretor (mas seis anos depois ele lançou um curta-metragem e em 2019 um longa a ser exibido somente em museus). Ironicamente, este é o primeiro trabalho do diretor que assisti. Eu estava plenamente alertado que suas narrativas são bem lentas (ou slow cinema como se torna mais usual). Também sabia que ele ama longos planos, que evita cortes ao máximo possível e sempre filma em preto e branco. Todos estes recursos ajudam a compor o universo do cineasta e a atração que seu cinema causa nos seus fãs. O ritmo da narrativa é ditado pelas ações cotidianas dos personagens, que aparentemente não fazem nada demais, mas revelam a angústia diária de algo que se repete até que o fim se aproxime. Esta ideia de fim confere algo de apocalíptico a Cavalo de Turim, já que desde a magnífica cena de abertura vemos o fazendeiro (János Derzsi) em sua charrete indo para casa desafiando uma ventania incontrolável que desafia a resistência de seu cavalo. É tanta poeira, secura e folhas caídas que somos logo imersos naquele mundo árduo embalado pela trilha sonora pesarosa de Mihály Vig. Dali em diante vemos a rotina do fazendeiro e sua filha (Erica Bók) quase em isolamento completo na casa em que vivem. Tarr passa a maior parte do filme seguindo os personagens num ritmo hipnótico e imersivo (aconselho ver o filme no escuro para ampliar este efeito). A câmera faz o espectador ser absorvido por aqueles ambientes, se incomodar com o som constante dos ventos numa ameaça incessante e a espera de que algo ruim acontecerá - e a chegada de um vizinho anunciando que a cidade próxima está em ruínas só amplia isso. Você deve estar se perguntando: e o cavalo? O cavalo fica em seu estábulo. Velho. Ferido. Cansado. Como uma espécie de metáfora à existência dos próprios personagens , que tentam prosseguir em seus dias perante o destino inevitável. Ainda que o filme avance em suas repetições, Tarr filma a rotina de personagens de forma diferenciada a cada dia, com uma câmera elegante que os segue dentro de casa, caminhando até o poço, retornando para dentro da casa e sentando à mesa. É um cinema quase sem diálogos, atento aos detalhes e à construção de uma atmosfera densa. A forma como o diretor trata aquelas situações de forma tão solene faz com que se torne uma experiência que maximiza o que podemos considerar pequeno e trivial. Vendo a força das imagens que Tarr evocam, fica fácil entender suas comparações com Tarkovsky (embora seu estilo seja ainda mais radical) e a admiração que produz em cineastas como Gus Van Sant. Por colocar a força das imagens acima dos diálogos, o filme pode se tornar um programa árduo para alguns espectadores, mas é capaz de impressionar os que se aventurarem em por este universo cinzento e singular. Quando perguntaram ao diretor sobre o que era O Cavalo de Turim, Tarr respondeu que é sobre “o peso da existência humana, a dificuldade da vida diária e a monotonia da vida”, ao terminar o filme seu só pensava que ninguém conseguiria traduzir essas sensações angustiantes em imagens de forma tão especial quanto Béla Tarr.
O Cavalo de Turim (A Turinói Ló / Hungria - França - Alemanha - Suíça /2011) de Béla Tarr com János Derzsi, Erica Bók, Ricsi, Mihály Ráday e Mihály Kormos. ☻☻☻☻
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