Mia e Henry: a amor segundo Van Sant.
Quando Restless de Gus Van Sant estreou no Festival de Cannes do ano passado os mais eufóricos cobriram o filme de elogios e se apressaram a dizer que se tratava de um dos fortes concorrentes ao Oscar. Sabemos que a Academia tem algum apreço pelo trabalho do cineasta e adora quando ele faz um filme mais limpinho e edificante como Gênio Indomável (1997) e Milk (2008), rendendo Oscar para os envolvidos (roteiro para Ben Affleck e Matt Damon pelo primeiro, ator para Sean Penn e roteiro para Dustin Lance Black pelo segundo), mas o titio Oscar costuma excluí-lo quando seus filmes tem qualquer elemento mais ousado (o melhor exemplo é a ignorada percepção multiangular da escola em Elefante/2003). Quando descobri que Restless tratava de uma dramédia romântica envolvendo dois adolescentes com uma curiosidade incomum pela morte eu só lembrava do humor negro academicamente desprezado de Um Sonho sem Limites (1995) com Nicole Kidman (que merecia uma indicação pelo filme). Chamado por aqui de Inquietos (uma dessas pérolas enganosas que só o autor é capaz de explicar), o filme revela-se surpreendentemente agradável de assistir - apesar de seu ritmo lento e as excentricidades do caminho. Enoch (o estreante Henry Hopper) é um adolescente que gosta de visitar funerais de desconhecidos, num deles acaba encontrando Annabel (Mia Wasikowska) e ambos começam a perceber o interesse mútuo pela morte (pois é uma versão assumidamente adolescente de Ensina-me a Viver/1971) . Não se trata de góticos ou psicóticos, mas dois personagens que percebem nuances da despedida desse mundo que passam desapercebidas pela maioria de nós. O filme consegue imprimir um tom simpático numa trama centrada em dois personagens difíceis e que poderiam cair facilmente num melodrama dos mais chorosos - e essa impressão ficará ainda mais evidente quando você descobrir que Annabel tem câncer e que Enoch é um órfão criado pela tia (depois que ele ficou em coma por vários meses depois do acidente que vitimou seus pais). O roteiro de Jason Lew se preocupa em criar pequenos detalhes que dão ao filme um aspecto bastante original, buscando o equilíbrio entre uma inocência quase infantil e os sérios conflitos vividos pelos personagens. Chega a colocar um japonês como melhor amigo de Enoch - que logo sabemos não existir, podendo ser um fantasma ou um simples amigo imaginário. Depois de construir tantos filmes de temática e formato árduo (como Os Últimos Dias/2005), Van Sant parece dizer que é capaz de construir um filme delicado sobre amor e morte. Todo mundo já imagina como a coisa vai acabar - e por isso é um grande acerto investir num discurso diferente ao final, onde o que resta (e permanece vivo) são as lembranças de quem amamos, um conhecimento que pode soar até clichê, mas que ilustra com maestria a transformação de Enoch no decorrer da trama. Em sua empreitada ele deve agradecer um bocado aos seus atores, especialmente Mia e Henry. Cada vez mais Mia Wasikowska se distancia da aguada Alice (2010) de Tim Burton e mostra que pode ser uma atriz bastante interessante (a transição de Annabel para uma menina diferente transcende suas roupas que deixam de ser masculinizadas e se tornam cada vez mais femininas - e até glamourosas), há momentos em que ela me parece uma mistura de Claire Danes com a francesa Isabelle Hupert de décadas atrás (Mia tem 21 anos). Como novidade está Henry Hopper, o filho de Dennis Hopper que consegue equilibrar a tristeza de seu personagem com mistos de fúria e vulnerabilidade com um equilíbrio satisfatório para um ator de 20 anos. A quimíca entre os dois (embalada por ótima trilha sonora) é maior do que toda a esquisitice que você possa encontrar no filme.
Inquietos (Restless/EUA-2011) de Gus Van Sant com Mia Wasikowska, Henry Hopper, Ryo Kase, Schuyler Fisk e Jane Adams. ☻☻☻
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