Craig e Mara: mais vulnerabilidade e elegância em Millenium.
Depois de fazer filmes com cara de Oscar e quase ganhá-lo de fato em 2011 com A Rede Social (2010), David Fincher voltou às suas origens ano passado com sua versão para o sucesso editorial Millenium de Stieg Larsson. A Garota com Tatuagem de Dragão torna-se mais uma vez Os Homens que não Amavam as Mulheres em terras tupiniquins. A trilogia de Larsson tem seguidores fervorosos que cultuam a hacker Lisbeth Salander como se fosse uma divindade, foram eles que garantiram uma série televisiva sueca baseada na trilogia e, mais tarde, três filmes estrelados por Noomi Rapace e Mikael Nyqvist. O primeiro foi até lançado nos cinemas daqui, mas o público parece não ter digerido bem aquela mistura de investigação e violência sexual. Quem conferiu o filme podia perceber que a estética devia muito à atmosfera soturna da cinematografia Fincheriana - especialmente ao já clássico Se7en (1995) - e quando soubemos que David Fincher preparava a sua versão da história não era difícil imaginar a tarefa ingrata que tinha pela frente. O filme não chega a ser uma refilmagem da versão sueca, mas tem semelhanças suficientes para não empolgar quem viu o original. Claro que o cineasta confere um visual arrojado ao longa, com fotografia escura e trilha sonora envolvente criada por Trent Reznor e Atticus Ross (ganhadores do Oscar por A Rede Social), além de explorar as atuações de um elenco comprometido com a história que tem em mãos. Quem viu o longa sueco, ou leu o livro, deve estranhar algumas mudanças na reta final e, especialmente, na ênfase que o relacionamento sexual da hacker Salander e o jornalista Michael Blomkvist recebeu. Blomkvist (Daniel Craig) é um dos principais envolvidos na cultuada revista Millenium e responde à uma acusação de difamação. Recebendo atenção da mídia ele nem suspeita que é alvo de uma investigação por parte da prodigiosa Lisbeth (Rooney Mara) que, entre outros aspectos, destrincha seu relacionamento amoroso com a editora da revista, Erika Berger (Robin Wright). A história de ambos é contada em paralelo, aos poucos somos apresentados ao cotidiano da antisocial Lisbeth, seu mundo em enferninhos, invasões cibernéticas e a relação problemática com o novo tutor nomeado para administrar seus bens. Enquanto isso, Blomkvist é contratado para investigar o paradeiro da sobrinha do rico empresário Henrik Vanger (Christopher Plummer), desaparecida há décadas. Na investigação em que conhece os subterrâneos da família Vanger ele se aproxima de Lisbeth numa busca onde crimes com embasamento religioso, incesto, misoginia e sadismo se misturam. Particularmente, a matéria prima da trilogia Millenium não me encanta, mas a química entre a punk e o jornalista asseado consegue manter o interesse, ainda que Fincher nunca ultrapasse sua zona de conforto. Claro que quem já conferiu A Menina que Brincava com Fogo/2010 e A Rainha do Castelo de Ar/2010 conseguem entender melhor as entranhas da personagem que deu a Rooney Mara uma controversa indicação ao Oscar de atriz deste ano - que pode parecer um exagero, mas que ressalta que a moça conseguiu imprimir à personagem uma personalidade distinta da impressa por Noomi Rapace. A Lisbeth de Mara é mais vulnerável, ainda que tenha mais humor por tratar com fina ironia a loucura que diz ter. Esta concepção lhe confere uma elegância que pode soar incoerente para alguns fãs. Seja na nudez despojada ou nos piercings de seu visual agressivo, Mara concebeu uma heroína que beira o romantismo num flerte torto com o feminismo - talvez seja por isso que muitos consideraram o olhar de Fincher um tanto conservador sobre a trama (e a cena final retrata bem isso). Ainda que exista um sabor de retorno às origens (o diretor até abre o filme com um clipe conceitual de Immigrant Song na voz de Karen O para lembrar os velhos tempos em que reinava na MTV, ele ainda impressiona na sua capacidade de sintetizar em imagens, de poucos minutos, as suas intenções), Fincher não é mais aquele provocador de outrora, está mais controlado e preocupado com o desenho dos personagens, pena que sem encontrar o ponto de equilíbrio entre o romance e a violência o filme não empolgou nas bilheterias e comprometeu os outros dois filmes made in USA baseado na trilogia.
Millenium - Os Homens que não amavam as Mulheres (The Girl with The Dragon Tatoo/EUA-Suécia- ReinoUnido- Alemanha/2011) de David Fincher com Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgard, Robin Wright e Joely Richardson. ☻☻☻
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