DiCaprio e Hammer: mais do que amigos.
Quando se anuncia que farão a biografia de uma figura pública, começam as especulações sobre o que ficará de fora e o que será incluído. A pior parte fica por conta das polêmicas que personalidades controversas podem causar. J. Edgar Hoover foi o homem que consolidou o FBI como conhecemos, foi o visionário que incorporou a ciência nas investigações - ele intensificou a busca de digitais na caça aos criminosos, a análise minuciosa das cenas de crime e tornou a seleção de agentes ainda mais rígida. Vendo o filme temos a impressão de que sem ele não existiria CSI! Obviamente que houve aspectos pouco lisonjeiros na vida dele, a perseguição aos comunistas e militantes em geral que se pronunciassem contra o status quo de sua pátria. Abordar uma figura tão interessante, cultuada por alguns e odiada por outros, já seria um material para um filme interessante, mas o roteiro de Dustin Lance Black quer mais. Além de abordar o profissionalismo de Hoover, ainda tenta desvendar mistérios de sua vida pessoal. Para isso, valoriza bastante os coadjuvantes em cena, afinal, são nessas relações que conhecemos os aspectos mais humanos do homem que revolucionou o FBI - que antes dele era bastante desacreditado. Sendo assim, as figuras de sua fiel escudeira Helen Gandy (Naomi Watts, ótima), do companheiro Clyde Tolson (Armie Hammer, indicado ao prêmio do sindicato de ator coadjuvante) e a mãe severa Annie Hoover (Judy Dench) servem para desvendar o homem por trás do mito. Acredito que esta seja a melhor atuação de Leonardo DiCaprio desde que foi revelado para o mundo como o autista de Gilbert Grape (1993). O roteiro de Dustin mescla alguns dos casos mais importantes no início da carreira de Hoover com um fio condutor sobre sua vida pessoal: a relação com o agente Tolson. Enquanto procura dar maior seriedade ao FBI fica evidente que seu apego ao advogado novato tem algo mais do que a busca por competência, mas o roteiro trata a relação dos personagens de forma bastante discreta, se apoiando principalmente na química da dupla DiCaprio e Hammer - talvez seja por isso que fica a cargo da dupla as duas cenas mais emocionais do filme. Dustin Lance Black é homossexual assumido e quando disse que escrevia sobre a vida de Hoover todos ficaram com a pulga atrás da orelha. Dono de vários prêmios pelo roteiro de Milk (2008), fica evidente que o rapaz (além de militante) tem um estilo próprio de escrever, mas que precisa de um diretor dos bons para torná-lo interessante. Clint Eastwood andava meio em baixa depois que lançou aquela chatura Além da Vida (2010) e este filme poderia ter colocado seu nome em alta novamente se o público e a crítica não houvesse rejeitado seu trabalho sobre uma das figuras mais polêmicas da história americana. É compreensível, já que muita gente não conhece e nem quer conhecer o homem que deu permissão para descascar a vida dos cidadãos em investigações e que brigou para que agentes federais portassem armas, ainda mais se um filme desses não tem cenas de ação ou piadinhas para segurar duas horas de duração. No entanto é bastante empobrecedor imaginar que J. Edgar seja um filme sobre um homem, o ideal seria compreender sua trajetória como a história de um país, seus ideais e paranoias. É desta forma que o filme funciona melhor - principalmente pelo vigor de seu protagonista. Na pele de Hoover, DiCaprio abraça todos os aspectos mais nobres como os mais egocêntricos e reacionários desta figura histórica. Apesar de conseguir alcançar todas as notas necessárias na construção de um ser humano complexo, o ator contou com um problema que acabou custando os prêmios da última temporada: a maquiagem. DiCaprio passa boa parte do tempo com uma verdadeira máscara para representar os últimos anos de vida de Hoover a frente do FBI. O efeito só não é mais constrangedor do que o trabalho feito em Armie Hammer - que parece um boneco na pele de Tolson idoso (é impressionante como vemos o ator brigando com aquela maquiagem). A maquiagem que alcança o melhor efeito é de Naomi Watts, que graças (em parte) ao tom discreto que imprime à sua personagem, consegue não ser prejudicada como os seus parceiros de cena. Parece um detalhe, mas não é. Nos momentos finais, onde Hoover passa a ser perseguido por Nixon (que desejava os arquivos secretos sobre si), a maquiagem atrapalha bastante nas nuances das últimas cenas da dupla de atores. Mesmo com os tropeços da maquiagem, considero o filme muito interessante em seu tom solene e não hesitante a abordar aspectos mais obscuros do personagem. Sei que muita gente reclama que há muita sujeira de Hoover que ficou de fora do filme, mas estes deveriam preferir que fosse realizado uma minissérie sobre o homem. Como diretor, Eastwood realizou mais um trabalho notável com atuações marcantes de seu elenco - além de um bocado de coragem para polemizar (algo raro em diretores veteranos ainda na ativa).
J. Edgar (EUA-2011) de Clint Eastwood com Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts, Judy Dench e Josh Lucas. ☻☻☻☻
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