Somente quando chega um filme como Dois Coelhos nos cinemas, percebemos como o cinema nacional ainda é meio quadrado. O filme de Afonso Poyart incomodou muita gente pelo tom moderninho de sua narrativa, pelo exagero de efeitos visuais usados para contar uma história cheia de reviravoltas e digressões. O efeito pode não ter sido o mesmo como o de Cidade de Deus/2002, mas injeta ânimo na forma como o cinema nacional está acostumado a filmar. Apesar de tanta pompa, Dois Coelhos tem uma trama até simples temperada com história de amor, tiroteios e redenção. Edgar (Fernando Alves Pinto), um sujeito meio sem rumo na vida, que cria um plano mirabolante para pegar dois coelhos com uma cajadada só (ou "caixa d'água", como diz o personagem): trata-se de um político corrupto (Roberto Marchese) e Maicos (Marah Descartes) um bandido da pesada que tem seus caminhos cruzados por uma promotora pública de escrúpulos questionáveis (Alessandra Negrini) e seu parceiro (Neco Villa Lobos). O plano de Edgard ainda envolve um bandido disfarçado de motoboy (o músico Thaíde) e Walter (Caco Ciocler), um professor universitário que tenta superar uma tragédia familiar. Não satisfeito com a teia de personagens, Poyart mistura essas histórias com edição picotada e idas e vindas temporais bem costuradas - mas que vez por outra pode deixar os mais desatentos perdidos. Apesar de pretensamente moderninho, o roteiro flerta o tempo inteiro com uma sensação bem comum aos brasileiros de combater a corrupção com as próprias mãos. Ao mesmo tempo que a violência jorra realista (com toques de humor negro) existe um bocado de fantasia de HQs na trama onde os mocinhos parecem verdadeiros heróis a prova de bala (o que o texto fará o favor de ressaltar que não existe na vida final). Há de se elogiar que o roteiro capricha nas nuances do casal principal, evitando que sejam mostrados como figuras exemplares, já os vilões (apesar de servirem de escada para cenas de algum humor) são vilões e pronto. A velocidade pop com que Poyart conta sua história deve perder um bocado do impacto em DVD, mas deve agradar os mais exigentes como a cena em que desenhos representam as pretensões profissionais do protagonista ou a cena em que Radiohead ajuda na tristeza de uma cena fúnebre. Devo admitir que há cenas em que as coisas beiram o ridículo (como a cena em que a cabeça de Edgar vira um monte de cacos ou quando a personagem de Alessandra Negrini parece ter saído das cenas mais surreais de Sucker Punch/2011), mas o diretor consegue fazer tudo soar coerente e atrativo ao público. Apesar de ainda querer dar uma intelectualizada na coisa (tanto que essa parece ser a função principal do professor Walter) , ele é superior ao bando de filmes brasileiros que se contentam em ser um bando de versões pobres de Tropa de Elite. Ao contrário dos outros, Poyart não engasga ao misturar referências que qualquer adulto ou adolescente são capazes de identificar e embarcar. Por trás de todo humor e modernice existe um bocado de provocação, além da condução firme em cenas de ação como aquela do tiroteio perto da melhor cena de perseguição de carro que vi num filme brasileiro. Dois Coelhos pode não ser perfeito, mas me lembra um bocado aquele vigor de Danny Boyle quando lançou Trainspotting (1996) e Bryan Singer com Os Suspeitos (1994) em ser realisticamente delirante.
Dois Coelhos (Brasil/2012) de Afonso Poyart com Fernando Alves Pinto, Alessandra Negrini, Marah Descartes, Caco Ciocler, Thaíde e Aldine Muller. ☻☻☻
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