Verdú, Luna e Bernal: controlando os hormônios
Lembro dos tempos em que estudava na Universidade Federal Fluminense e esperava ansiosamente pela retrospectiva de fim de ano que o pessoal do Cineart organizava. Eram filmes de encher os olhos e, na maioria das vezes, difíceis de encontrar no circuito comercial de Niterói. Esse filme mexicano de Alfonso Cuarón foi um dos objetos de culto de uma das retrospectivas e lembro que não pude assistí-lo por algum motivo que nem me recordo. Nunca me perdoei. Desde então o persegui, mas só consegui vê-lo recentemente. Talvez pela expectativa que gerei por todos esses anos, o filme me pareceu menos do que todo mundo falava - mas isso não quer dizer que seja ruim. Existe muitas qualidades nele, especialmente quando percebemos que a história trata a adolescência como um período onde (aos trancos e barrancos) caminhamos para o amadurecimento - aquele estranho momento em que começamos a ver nossos sentimentos de forma diferente e alteramos a forma de lidar com o mundo ao nosso redor. É uma missão e tanto que Cuarón cumpre com certa leveza, apesar das conotações sexuais (inclusive do título enigmático que surge abruptamente numa bebedeira entre o trio de amigos). O diretor precisa agradecer aos seus protagonistas: Gael García Bernal, Diego Luna e a espanhola Maribel Verdú pela complexidade que conseguem atribuir aos personagens (que revelam-se mais em sutilezas do que em tudo que está explícito nas cenas). A primeira cena de Tenoch (Luna) é uma cena de sexo em ritmo de despedida, já que sua namorada vai para Europa, o mesmo pode se dizer da cena de estreia de Júlio (Bernal) que tem seu momento íntimo de despedida atrapalhado pela mãe da namorada que também está prestes a viajar. Ambos tem 17 anos, estão prestes a ir para a faculdade e possuem aquelas características que são facilmente atribuídas aos adolescentes: falam de sexo o tempo inteiro, fumam baseado de vez em quando, se masturbam e as conversas são as mais bobas possíveis. As coisas começam a mudar quando conhecem Luísa (Verdú), a esposa do primo de Tenoch, que após receber uma triste notícia embarca numa viagem com os dois amigos em busca de uma praia paradisíaca chamada Boca del Cielo. Os dois só esquecem de dizer para a moça que eles não sabem onde fica a tal praia (que eles nem, sabem se realmente existe) e, principalmente, que inventaram o passeio apenas para dormir com ela. Preciso dizer o quão metafórica é essa viagem dos três? Nenhum sabe muito bem o rumo que deve tomar na vida, os três seguem caminhos que imaginam levar para um lugar especial (e que os fara sentir bem, mas nada é tão simples). Aos poucos o triângulo amoroso de forma e segredos surgem para abalar a amizade dos amigos (e num dos melhores momentos Luísa indaga por que os dois valorizam tanto o sexo se gastam tão pouco tempo quando estão fazendo?). Enquanto os rapazes não se dão conta da ansiedade, imaturidade e inconsequência (ou seja, de que precisam controlar seus hormônios), Luísa está mais interessada em apreciar as paisagens e a cultura mexicana, que considera muito mais bonita do que a espanhola. Existem acordos e combinados que revelam sentimentos que os personagens pensam esconder de si mesmos, até o momento que encontram o destino não só geográfico, mas de suas relações, ou "o lugar onde mar e céu se encontram" Apesar de todo empenho de todos os envolvidos, o fortalece o filme entre tantos outros sobre ritos de passagem é a conclusão. Gradativamente podemos notar que a relação entre os três personagens confere à narrativa mais seriedade e melancolia (talvez esse seja o motivo da narrativa em off explicar tudo de cada coisa que cruza o caminho dos amigos), é como se finalmente entendessem que o tempo está passando e precisam tomar um rumo na próxima etapa que se anuncia - mas nada se compara ao final, um tanto amargo cujo a única alegria parece estar num segredo que precisa permanecer oculto. Uma espécie de pacto de amizade onde os envolvidos se comportam como desconhecidos. Esse parece ser o ponto em que a jornada transformadora conduz os personagens: um ponto onde tudo ganha novo sentido, mas que deve permanecer escondido. Vale lembrar que suas simbologias valeram ao filme uma indicação ao Oscar de roteiro original (porém, curioso mesmo, é imaginar que depois desse filme Cuarón foi convidado a dirigir o terceiro filme da saga de Harry Potter, tendo como resultado um dos melhores da série: O Prisioneiro de Azkaban/2004).
E Sua Mãe Também (Y Tu Mamá También - México/2001) de Alfonso Cuarón com Maribel Verdú, Gael García Bernal e Diego Luna. ☻☻☻
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