Rip Torn: Henry Miller com toque de Woody Allen.
Quando adolescente, lembro que o esposo de minha tia possuía tantos livros que deixava alguns na casa de meus pais. Entre eles estava Sexus de Henry Miller. Vocês podem imaginar o efeito de um livro com esse nome nas mãos de um rapazinho com os hormônios em ebulição? Pois é, eu não precisava de grandes conhecimentos literários para perceber que aquele escritor entre uma narrativa erótica e outra destilava um olhar bastante mordaz para a sociedade de seus tempo. Eu enxegava um bocado de sinceridade e pessimismo nas relações do narrador com mulheres como Mona e Maude. O livro tem mais de 500 páginas e é preciso ter fôlego para acompanhar tantas desventuras sexuais seguidas, talvez por isso o livro ficasse meio escondido, quase como uma obra proibida dentro da prateleira. Depois desse primeiro contato com a obra do autor, nunca imaginei que um de seus livros já fora adaptado aos cinemas. Trópico de Câncer foi realizado em 1970, mas surpreendeu os fãs do escritor por ter o ritmo de uma comédia sexual despretensiosa (e a situação para mim é ainda mais surpreendente, já que meu contato literário com Trópico foi em uma versão em espanhol, que me pareceu ainda mais caliente...). Sai o olhar de Miller sobre a década de 1930 e entra uma certa irreverência da década em que o filme foi realizado, talvez por isso, o resultado seja mais leve do que qualquer um poderia imaginar. Cheguei a ler algumas resenhas que apontam um certo ar de Woody Allen na adaptação (o que é bastante anacrônico, já que Allen mal tinha um estilo, tendo realizado somente um longa nessa época, mas essa observação pode ser mais reveladora do que parece), basta reparar os óculos que Miller usa durante o filme. Sem o olhar mais crítico do autor sobre as relações de sua época, o filme mostra uma sucessão de encontros de Miller com amigos e parceiras sexuais em Paris, especialmente depois que é abandonado por sua esposa, Mona (uma sexy Ellen Burstyn). Apesar de conter bastante nudez feminina, as cenas de sexo são bastante conservadoras. Não fosse por alguns trechos da obra narradas em off, dificilmente poderíamos identificar que trata-se de uma trama assinada por Miller. Dizer trama é até generosidade, já que não existe um fio condutor da história, apenas uma coleção de situações envolvendo o protagonista - as mais divertidas ficam por conta da vez em que levou um amigo indiano num bordel (que parece ter inspirado até Big Bang Theory!) e quando se mete a dar aula para um grupo de garotos e não consegue parar de falar sobre pênis de animais. Apesar de algumas gracinhas, achei tudo muito solto e brega (aquela cena da bailarina é bem tosca). Apesar de Rip Torn (que você já deve ter visto em vários filmes gorducho e barbudo e não pode nem imaginar como ele era mais moço) imprimir uma luminosidade que nunca imaginei que o autor teria, o filme tem mais problemas do que acertos. Trópico de Câncer não deixa de ter alguma ousadia, mas os fãs de Miller podem ficar desapontados com essa releitura quase jocosa da obra de um dos mais polêmicos escritores do século XX.
Trópico de Câncer (Tropic of Cancer/EUA-1970) de Joseph Strick com Rip Torn, Ellen Burstyn, James T. Callahan e David Baur. ☻☻
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