Kseniya e Filippo: nada é o que parece.
Muitos espectadores não gostam quando a história de um filme flerta com a mistura de sonho e realidade, eu mesmo costumo ficar com raiva quando um diretor me oferece um desfecho preguiçoso para tramas instigantes usando a desculpa de ser tudo um sonho. Um dos méritos de A Hora Dupla é que ele subverte a ordem da maioria dos roteiros que usam esse artifício. Antes de parecer um romance simpático, o filme já mostra que suas intenções são outras ao exibir fragmentos do dia a dia de um hotel até o momento em que a câmera descobre Sonia (Kseniya Rappoport), uma camareira que descobrirá que uma hóspede se suicidou pouco depois de falar com ela. Percebe-se que Sonia é solitária e que, com exceção da colega de trabalho Margherita (Antonia Truppo), não tem muitos amigos. Em busca de um namorado ela até frequenta aqueles estabelecimentos onde uma solteira fica em uma mesa onde os homens se revezam para conquistá-la em poucos minutos. Depois de sucessivos tipos esquisitos ela conhece Guido (Filippo Timi, ator famoso por sua atuação no papel de Mussolini em Vincere/2009), um sujeito charmoso e bem humorado que pode ser o seu passaporte para a felicidade. Apesar de animada, Sonia resiste aos encantos do moço e acaba deixando as intimidades para depois, alegando que já está tarde (nesse momento que surge o nome do filme, quando Guido olha para o relógio e vê que são 23h 23m, uma "hora dupla", onde devemos fazer um pedido, que em geral, não se realiza). Esse encontro de Sonia e Guido faz o filme parecer uma comédia romântica simpática e não precisa muito mais para que torçamos por eles. No encontro seguinte o tom já parece outro. Ex-policial, Guido leva a Sonia para o local onde trabalha como segurança e são atacados por assaltantes num desfecho trágico. Depois, vemos Sonia com uma cicatriz na testa e triste com o falecimento de Guido, mas seu comportamento fica cada vez mais estranho conforme sente a presença de Guido, escuta a voz dele e as músicas que ouviam juntos em toda parte. Estaria Sonia enlouquecendo? Colabora na construção do estranho suspense a presença de um hóspede misterioso e um investigador amigo de Guido que considera Sonia mais suspeita do que aparenta. É notável a forma como o diretor (estreante em ficção) Giuseppe Capodonti transita por atmosferas tão diferentes nesses dois atos distintos. A forma como explora as camadas das personalidades de Guido e Sonia são plenamente amparadas pelas atuações sólidas e envolventes do casal principal (ambos premiados no Festival de Veneza), principalmente no momento em que julgamos já ter visto filmes assim antes. A Hora Dupla segue a história quando a maioria dos cineastas a teria terminado e, por isso mesmo, não decepciona. Seu único problema é que antes de concluir a trama, o diretor poderia ter explorado mais os conflitos dos personagens, especialmente quando o próprio espectador sente na pele a angústia de Guido. Bem construído e com excelente trilha sonora de Pasquale Catalano, o filme é envolvente em seus climas estranhos que flertam com o cinema de David Lynch. Sem medo de ser estranho, A Hora Dupla é uma bela surpresa do recente cinema italiano.
A Hora Dupla (La Doppia Ora/Itália-2009) de Giuseppe Capodonti com Kseniya Rappoport, Filippo Timi, Gaetano Bruno, Fausto Russo Alesi e Antonia Truppo. ☻☻☻
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