domingo, 5 de março de 2017

CICLO DIRETORAS: Chega de Saudade


Cássia, Conceição e Tonia: baile animado na noite paulistana. 

Com a proximidade do Dia Internacional da Mulher o blog decidiu fazer uma semana dedicada somente a filmes dirigidos por cineastas mulheres. Para começar escolhi um filme de uma das jovens cineastas mais elogiadas do cinema brasileiro, Laís Bodansky. Laís teve o seu talento reconhecido nacionalmente quando lançou seu longa metragem de estreia, o celebrado Bicho de Sete Cabeças (2000). O filme denso abordava a falta de diálogo em uma família, assim como a situação manicomial no Brasil. Baseado no livro biográfico O Canto dos Malditos de Austregésilo Carrano, o longa fez o público perceber que nascia ali uma cineasta vigorosa, sem medo de criar desconforto na plateia, ao mesmo tempo ela tinha sensibilidade para fazer a plateia sentir os personagens sem que fossem necessárias descrições minuciosas sobre o que era visto na tela. Bicho ganhou vários prêmios internacionais e o longa seguinte da diretora foi mais do que aguardado. Depois de anos divulgando outro projeto (o CineMambembe, que visita cidades sem cinema para projetar filmes brasileiros em praças) ela lançou Chega de Saudade (2007), filme que não poderia ser mais diferente do anterior - mas ao mesmo tempo, consegue demonstrar ainda mais a destreza técnica da cineasta. Ambientado em uma noite num baile em São Paulo, o roteiro assinado pela diretora e Luis Bolognesi conta um pouco da história dos personagens que frequentam aquele local. A trama mistura alegrias, tristezas, amores e desilusões de vários personagens, sendo assim conhecemos personagens como o casal de veteranos Alice (Tonia Carrero) e Álvaro (Leonardo Villar) - ela cada vez mais esquecida, ele com a perna quebrada -, a solitária Elza (uma ótima Betty Faria que teme passar a noite sem ser chamada para dançar), a tímida Nice (Miriam Mehler, sensacional) que vai ao baile pela primeira vez), a romântica Marici (a brilhante Cássia Kiss) que ainda sofre de amor pelo conquistador Eudes (Stepan Nercessian), além do jovem DJ (Paulo Vilhena em ótima atuação discreta) e a namorada (Maria Flor). Durante a noite os personagens irão se encontrar e desencontrar, dançar e temer a solidão numa narrativa dinâmica que surpreende pela originalidade e o carinho com que os personagens são retratados. A forma como a diretora mergulha nesse microcosmo, além da da forma como a identidade dos personagens se revela ali, lembra muito alguns filmes de Robert Altman, especialmente a opção pela narrativa caleidoscópica que mescla vários personagens num todo coerente. Laís capricha nos movimentos de câmera, nos enquadramentos, no uso da luz, na trilha sonora (com direito ao falecido Marku Ribas e  Elza Soares animando a noite com sua voz peculiar), além de extrair do elenco ótimos momentos. Chega de Saudade é um filme único na cinematografia nacional, tanto que ao final da sessão você sente que passou a noite ao lado de cada um daqueles personagens - e vai para a casa esperando reencontrá-los no próximo baile.

Laís Bodansky

Chega de Saudade (Brasil/2007) de Lais Bodansky com Cássia Kiss, Betty Faria, Tonia Carrero, Leonardo Villar, Paulo Vilhena, Maria Flor, Miriam Mehler, Conceição Senna, Elza Soares e Marku Ribas.
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