Ingrid e Caco: a rabugenta e o tolhido.
No início do relacionamento a jornalista Nena (Ingrid Guimarães) e o comerciante Chico (Caco Ciocler) pareciam feitos um para o outro. A animação e o gosto pela música punk fez com que acreditassem que eram almas gêmeas - e o casamento... inevitável. No entanto, quinze anos depois eles estão completamente fora de sintonia. Nena se tornou aquele tipo de pessoa que reclama de tudo e coube a Chico o ingrato papel de nunca saber o que dizer com medo dos bombardeios em seu ouvido. Chico começa a pensar que não tem jeito do casamento voltar aos eixos, mas como não tem coragem de pedir o divórcio, apela para um conquistador profissional para seduzir a esposa e fazê-la desejar a separação. A versão brasileira do filme argentino Um Namorado Para Minha Esposa (2000) funciona justamente pela despretensão com que explora as mudanças que o tempo promove na dinâmica de um casal. Aqui eles deixam o drama do original de lado e exploram mais o humor da situação, enriquece ainda mais a ideia da diretora Julia Rezende e do roteiro de Lusa Silvestre alfinetar o comportamento mal humorado que tem se tornado cada vez mais comum nos dias atuais. Obviamente que muita gente vai dizer que Nena é uma chata, mas existem muitas Nenas e Nenos por aí que possuem obsessão em criticar tudo o que está pela frente. Considerando que são donos da verdade, não se dão conta de que suas opiniões são apenas... opiniões. Não sei se viajei demais vendo o filme, mas enxerguei um pouco da mania atual de que todo mundo precisa ter opinião sobre qualquer coisa - ao ponto de amigos se surpreenderem quando digo que não tenho opinião formada sobre determinado assunto ou quando (heresia das heresias) afirmo que considero que toda verdade é provisória (ok, pode me xingar), ao mesmo tempo penso que tanta chatice deve vir justamente de um mundo onde já se pensa conhecer tudo, então... ele só pode ser chato mesmo! Nena é a síntese de quem tem sempre uma opinião crítica sobre tudo, assim, o diálogo fica difícil, quase impossível - além de inútil - não por acaso ela irá conseguir um emprego num programa para internet, território onde qualquer um pode dizer qualquer coisa como se fosse um conhecedor profundo do assunto (e ser cultuado como tal, sem maiores exigências). No entanto, debaixo de tanto mal humor, Nena tem lá seus predicados (e Ingrid Guimarães tem perfeito domínio sobre as ambiguidades da personagem) e não demora para despertar o interesse do conquistador misterioso chamado Corvo (Domingos Montagner, roubando a cena apesar da peruca inconcebível) ou de quem começa a perceber que seus comentários podem até ser interessantes (a cena do primeiro programa em que ela descontrói o discurso do personagem de Paulo Vilhena é uma prova disso). Mas Um Namorado Para Minha Mulher não é apenas sobre a esposa megera, é também sobre o marido passivo, contido e recolhido que prefere deixar para que os outros resolvam os problemas que ele deveria dar conta - tudo bem que discutir a relação pode gerar arrepios, mas se o relacionamento não está mais funcionando, talvez seja a hora de buscar algo diferente. Caco Ciocler compõe um Chico meio bobalhão e inseguro (e a ideia deve ser essa mesma) que funciona muito bem em seu contraste com a esposa e os outros homens da trama. Embora o final acredite que o final feliz é inevitável para uma comédia romântica, Um Namorado Para Minha Mulher é uma grata surpresa na hora de rir da vida a dois.
Um Namorado Para Minha Mulher (Brasil/2016) de Julia Rezende com Ingrid Guimarães, Caco Ciocler, Domingos Montagner, Paulo Vilhena, Marcos Veras, Marcelo Laham e Miá Mello. ☻☻☻
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