sábado, 11 de março de 2017

CICLO DIRETORAS: Sonho de Valsa

Xuxa e Daniel: ela preferia ser viúva. 

A cineasta Ana Carolina Teixeira Soares, ou simplesmente, Ana Carolina nasceu em 1949 em São Paulo e se tornou um ícone do cinema brasileiro, pena que ela filma pouco. Ela começou a carreira de cineasta em 1968, lançando em média dois longas por década a partir dos anos 1970. Em 1987, nos tempos da Embrafilme, Seu quinto filme teve problemas com distribuição e sua obra-prima Sonho de Valsa terminou sendo exibido somente na TV, mas hoje ele pode ser visto em mostras e festivais na tela grande. Como nos seus filmes mais famosos (Mar de Rosas/1977, Das Tripas Coração/1982 e Amélia/2000) a diretora se dedica a várias inquietações femininas de toda ordem (ou desordem), mesclando drama e humor além de carregar fortes simbologias. Sonho de Valsa é um verdadeiro marco em nosso cinema por ser profundamente inventivo em sua narrativa, com fartas doses surrealistas para contar a jornada pessoas de Teresa (Xuxa Lopes, digna de Oscar) uma mulher que ao completar 30 anos ainda se vê insegura perante a maturidade (mas afinal, o que é isso?). Ela mora numa casa bastante confortável com o pai (Arduíno Colassanti) e o irmão (Ney Matogrosso), mas cheia de conflitos (basta perceber a cena inicial fofa do gatinho e o que se segue no comportamento quase infantil da personagem). Teresa é cheia de desejos, mas encontra alguns obstáculos para crescer em suas próprias inseguranças - e o texto primoroso de Ana Carolina serve para ilustrar tudo o que se passa na mente da personagem. Do relacionamento quase incestuoso com os homens da casa (afinal, eles são os únicos homens daquele mundo) para depois ampliar sua rede de relações numa festa que parece destinada à frustração - cortesia do pretendente Carlos Alberto (Ricardo Petráglia). Não por acaso, da festa Teresa pula de um abismo ao lado do seu novo amor. Ao lado de Marcos (Daniel Dantas) a vida a dois, fora do conforto da casa do pai, torna-se um mar de neuroses, povoado por todas as inseguranças e expectativas que um romance pode proporcionar, some ao tédio gerado pela rotina e tudo vai pelo cano (literalmente) e frases como "perdi o meu amor" (próprio?) e "estou sem identidade" dão conta do que se passa dentro de Teresa. Ana Carolina brinca com simbologias o tempo inteiro, o que pode tornar o filme um pouco confuso para quem imagina uma comédia romântica para passar o tempo. Pois é, além de gerar risadas, o filme é denso, bastante denso. A complexidade do filme vai para além dos personagens, fazendo com que cada personagem seja um signo: a mulher em frente ao pai, o irmão, a amiga, o namorado, o melhor amigo do namorado... este merece destaque especial pelo charme  deliciosamente canastrão de Paulo Reis, um homem que parece seguro, mas está cheio de "hesitações e dúvidas", onde até mesmo a sua sexualidade é ambígua (e a forma como Ivan multiplica as dicotomias entre o sagrado e o profano na mente de Teresa é um deleite). Nas mãos da diretora, o desempenho superlativo de Xuxa Lopes ganha contornos surpreendentes em suas angústias, paranoias e ansiedades diante do que Teresa espera da vida (ou seria do que os outros esperam que ela faça da própria vida?). A jornada de Teresa é tão intensa que ela até retorna como uma filha pródiga para a casa do pai, mas aquele conforto não sugere mais proteção, mas uma verdadeira prisão em seus medos de encarar a vida. Partindo do príncipe encantado, passando pelo fundo do poço - e pelo sapo (que ao invés de um beijo ganha uma mastigada, afinal "é importante aprender a engolir sapos) - o filme termina retratando que Adão e Eva no fundo são irmãos, portanto filhos do mesmo pai  e iguais perante os olhos dele. Deu para entender? Ainda que tenha trilha sonora datada (leia-se sintetizadores) e padeça daquela inserção de som estranha dos filmes brasileiros dos anos 1970 (o som era inserido depois das filmagens), Sonho de Valsa promove uma verdadeira montanha-russa de emoções e o melhor, graças à sua riqueza de detalhes você irá querer assistir várias vezes e perceber coisas que era incapaz de notar (dentro e fora do filme). Um clássico. 

Ana Carolina

Sonho de Valsa (Brasil/1987) de Ana Carolina com Xuxa Lopes, Daniel Dantas, Paulo Reis, Ney Matogrosso, Arduíno Colassanti, Cristina Pereira e Ricardo Petráglia. ☻☻☻☻

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