Os convidados: elegantes alfinetadas sobre a Europa atual.
A inglesa Sally Potter dirige filmes desde que ganhou sua câmera oito milímetros aos quatorze anos. Ela começou a carreira fazendo curtas e chamou atenção da crítica quando ousou adaptar Orlando - A Mulher Imortal (1992), a saga escrita por Virginia Woolf em que a ambiguidade sexual de sua protagonista atravessa os séculos. O filme foi indicado para dois Oscars e foi um dos primeiros filmes a colocar Tilda Swinton sob os holofotes da mídia internacional. Em seus filmes seguintes, o fato de contar com personagens femininas fortes tornou-se uma marca registrada, mesmo que por vezes as utilizasse de forma inusitada (basta lembrar da modelo vivida por Jude Law em Fúria/2009). Sally definitivamente não liga para convenções e, por isso mesmo, seus filmes costumam sempre deixar a plateia um tanto inquieta. Foi isso que aconteceu com A Festa, que foi exibido por aqui no Festival do Rio do ano passado e dividiu a crítica pela forma que a diretora constrói sua história. A trama gira em torno de uma noite onde um grupo de amigos se encontram para comemorar a nomeação de Janet (Kristin Scott Thomas) para ocupar o cargo de Ministra da Saúde na Inglaterra. Entre os convidados estão o esposo de Janet, Bill (Timothy Spall) - que parece um tanto catatônico diante da notícia - , a amiga americana politicamente desiludida, April (a excepcional Patricia Clarkson), e o namorado alemão otimista, Gottfried (Bruno Ganz num personagem que até o nome parece uma piada). Também marcam presença o casal de amigas formado por Martha (Cherry Jones) e Jinny (Emily Mortimer) que precisam lidar com a notícia da chegada de trigêmeos na família. Ah, claro, não poderia faltar Tom (Cillian Murphy), o marido bonitão da atrasada Marianne - e que está disposto a contar um segredo capaz de desestabilizar toda a comemoração. A Festa tem uma essência totalmente teatral, mas foi escrita para a telona mesmo, ressaltando a forma como a diretora utiliza uma câmera ágil para intensificar a agitação dos personagens com todos os dilemas que surgem daquele encontro, especialmente com a crise deflagrada no casamento de Janet - que tenta manter a calma, mas está visivelmente à beira de um ataque de nervos. Existem dois pontos que fazem a diferença no filme, um deles é o humor negro, tipicamente britânico que faz a plateia rir nervosa em vários momentos (a cena em que April diz para a amiga o que ela precisa fazer para governar o país é de rolar de rir), o outro ponto fica por conta dos diálogos elaborados lapidados para retratar como é difícil entender política enquanto parte das relações humanas, especialmente no mundo pós-moderno cheio de discursos efêmeros e dicotomias. Esperanças, ideologias, desilusões, fidelidades, traições e falência das instituições aparecem em vários diálogos emoldurados por closes constantes ou ângulos diferenciados, quase expressionistas. Existe um cinismo realmente cortante no roteiro que muitos percebem retratar uma Europa de pouca certeza em suas convicções e que não sabe muito bem para onde vai - talvez por isso, a diretora opte pela belíssima fotografia em preto e branco para mostrar o quanto algumas questões parecem datadas, ou seriam clássicas? Talvez sejam apenas cinzentas mesmo.
Sally Potter
A Festa (The Party / Reino Unido - 2017) de Sally Potter com Kristtin Scott Thomas, Patricia Clarkson, Timothy Spall, Bruno Ganz, Emily Mortimer, Cillian Murphy e Cherry Jones. ☻☻☻
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