Agnès e JR: deliciosa viagem
Um dos meus erros nas apostas do Oscar deste ano foi ter considerado que Visages Villages levasse o prêmio de melhor documentário. Bem, ele não levou, mas isto não quer dizer muita coisa, já que ele ainda é um dos filmes mais interessantes que assisti nos últimos meses. O longa parte da ideia da cultuada diretora francesa Agnès Varda - responsável por clássicos imortais como As Duas Faces da Felicidade (1965), Os Renegados (1985) e o recente As Praias de Agnès (2008), que assim como este aqui envolve suas memórias e a paixão pela fotografia - em ter uma parceria com o artista JR, famoso pelas fotografias gigantes de anônimos em preto e branco coladas em lugares públicos. Embora sejam de gerações diferentes (ela tem 90 anos e ele deve ter uns quarenta) os dois deixam claro que seus trabalhos tem afinidades bem marcantes. O encontro é irresistível desde o início, quando os dois contam de forma muito simpática como eles não se conheceram. Logo depois eles entregaram que se conheceram através da arte um do outro. Ele lembra do cinema de Varda e ela se impressionou com algumas fotografias que ele espalhou por aí. Assim, fica fácil entender como ela teve a ideia de convidá-lo para uma viagem criativa pelo interior da França em busca de anônimos prestes a se tornarem obras de arte. Sorte que o filme consegue ser mais do que apenas uma sucessão de sessões de fotografia, uma vez que dá voz para as pessoas comuns, suas histórias e reações diante das imagens gigantes. As fotografias rendem encontros, resgates históricos, apresentações e momentos um tanto surreais guiados pela imaginação da dupla. São momentos deliciosamente lúdicos (o caminhão ilustrado como uma máquina fotográfica - e que revela as fotos como uma enorme Polaroid sobre rodas é um verdadeiro achado). Visages Villages é uma verdadeira ode às pessoas comuns e o que podem ter de mais interessante: suas histórias de vida. Para além da proposta em si, o filme explora um pouco a relação entre os dois artistas (especialmente o incômodo de Agnès em sempre ver seu parceiro de óculos escuros) e ver a cineasta comentar um pouco sobre o envelhecimento, a visão (que se torna cada vez mais turva - como ela já relatou no documentário brasileiro Janela da Alma/2001) e até a solidão após a morte do esposo, o também diretor Jacques Demy. Criativo, sensível e engraçado, o filme poderia ser o primeiro de uma série de filmes com a dupla e, o melhor de tudo, demonstra como uma mulher genial permanece uma mulher genial, mesmo sob os efeitos do tempo. Vale lembrar que o Oscar de documentário não foi para o filme, mas Varda foi a homenageada do ano pela Academia, recebendo um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra no cinema.
Agnès Varda
Visages Villages (França/2017) de Agnès Varda e JR com Agnès Varda, JR, Marie Douvet, Claude Flaert e Vincent Gills. ☻☻☻☻☻
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