Mendelsohn: em busca de hábitos estáveis.
Nicole Holofcener despontou no cinema independente com Walking and Talking/1996 (que no Brasil recebeu o enganoso título de Amigas Curtindo Adoidado), a acolhida no Festival de Sundance e a simpatia do público fez com que alguns críticos a classificassem como o Kevin Smith de saias. Nunca entendi muito bem esta comparação, mas passado 22 anos, a carreira de Smith empacou e a de Nicole vai muito bem, obrigado. O melhor é que seus filmes ficaram mais interessantes com o passar do tempo e a maturidade somada à experiência adicionaram mais camadas às histórias sobre personagens comuns em dramas cotidianos temperados com um senso de humor bastante espirituoso. Exibido no festival de Toronto deste ano, Gente de Bem é baseado no livro de Ted Thompson e esta adaptação se desenvolve bem de forma quase automática, até que nos damos conta de que somente uma tragédia é capaz de fazer algumas pessoas acordarem de sua anestesia. O foco está sobre Anders Harris (Ben Mendelsohn, num papel bem mais simpático do que costuma fazer), um homem que é apenas a sombra das promessas de um futuro promissor. Divorciado e um tanto perdido, ele não consegue ter um bom relacionamento com o filho, Preston (Thomas Mann) e a ex-esposa, Helene (Eddie Falco) - esta sempre que o vê parece soar um alarme interno de que algo errado irá acontecer. Enquanto a vida de Helene segue normalmente, a de Anders estagnou (e ele nem lembra direito o motivo de ter pedido o divórcio). Esta sensação só piora depois que o casal se reencontra na festa promovida na casa de Sophie (Elizabeth Marvel) e Larry (Josh Pais), ocasião em que a inadequação de Anders o faz se aproximar do filho do casal de amigos, o adolescente Charlie (Charlie Tahan), o ponto de partida para uma série de equívocos, mas também de uma certa cumplicidade entre os dois. A narrativa segue os tropeços de seu protagonista e evidencia que não existem grandes dramas na vida daqueles personagens, todos vivem em casas confortáveis, não possuem problemas financeiros, mas precisam lidar com a proximidade das drogas - que funciona como uma fuga deste microuniverso que anseia perfeição. Embora a narrativa seja leve e despretensiosa, Holofcener fala aqui de um vazio que não se preenche com relações sexuais ocasionais, drogas variadas, lojas gigantescas ou enfeites de natal, algo mais relacionado com os sentimentos daqueles personagens. O título Gente de Bem deixa claro que não existem vilões nesta história, embora alguns personagens pudessem ser vistos assim sob um olhar mais severo. Por outro lado, o original "A Terra dos Hábitos Estáveis" soa mais irônico e provocador com o que vemos na tela - afinal, a estabilidade plena existe? Holofcener descasca a relação cruzada entre os personagens e faz lembrar aqueles filmes americanos do início do século que apresentavam os conflitos camuflados do conforto suburbano do Tio Sam. Com sensibilidade e a ajuda de atores dedicados (que funcionam muito bem em conjunto), o filme pode até surpreender, especialmente porque, embora morte, violência e adultério apareçam perto do último ato, a cineasta destaca a esperança no rumo de seus personagens. Em tempos sombrios, isto não é pouca coisa.
Gente de Bem (The Land of Steady Habits/EUA-2018) de Nicole Holofcener com Ben Mendelsohn, Eddie Falco, Charlie Tahan, Thomas Mann, Connie Briton, Elizabeth Marvel e Josh Pais. ☻☻☻☻
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