Jodie: desafiando a cultura do estupro. |
Tema deste #Fim de Semana, a carreira de Alicia Christian Foster começou muito cedo no mercado publicitário. Ainda criança foi ela que aparecia no famoso anúncio da Coppertone em que um cachorro puxava o traje de banho da menina para revelar o bronzeado. No seu primeiro trabalho como atriz na televisão ela tinha sete anos, foi no Doris Day Show (1969), depois veio a participação em Disneylandia (1970), Bonanza (1972), Família Dó Ré Mi (1973), Família Adams (1973)... além dos trabalhos como dubladora em desenhos como Scooby Doo (1972) - num início de carreira que se mistura com a história da TV americana. Apesar de ter feito papéis para o cinema durante este período, ela chamou atenção do diretor Martin Scorsese quando a escalou para o premiado Alice não Mora mais Aqui (1974) para depois lhe garantir respeito como a garota de programa em Taxi Driver (1976) quando a atriz tinha apenas quinze anos. O trabalho de gente grande lhe garantiu a primeira indicação ao Oscar e provou que ali existia uma estrela que desafiava padrões. Jodie cresceu com fama de garota difícil em Hollywood. Nada delicada e sendo considerada fria perante as outras atrizes adolescentes de sua geração que cresciam diante da câmera. Embora tivesse um sucesso aqui e outro ali, sua carreira não apresentava mais o mesmo lampejo de interesse da indústria até que ela ressurgiu em Acusados, num papel complicado e com um roteiro provocador que permanece atual até hoje. Em tempos de debates acerca da violência contra a mulher, a cultura do estupro e denúncias de abuso, o filme de Jonathan Kaplan ainda é capaz de chocar e chamar a plateia para refletir sobre os estigmas produzidos em nossa sociedade. Afinal, após Sarah Tobias (Jodie Foster) ser estuprada em um bar, o que parece estar em julgamento não é a postura dos homens que praticaram o ato e sim, a postura de Sarah, que usava roupas curtas, bebia, fumava e dançava num bar cheio de homens. O roteiro faz questão de não apresentar Sarah como uma donzela indefesa, ao mesmo tempo em que indaga à plateia "e daí?", nada do que ela fizesse justificaria o que aconteceu naquela que se tornou a pior noite de sua vida. Ao mesmo tempo, por vezes ter sua vida pessoal exposta pela mídia e tribunal parece mais uma colagem de humilhações. A sorte é que lutando pelo seu caso está uma outra mulher, Kathryn Murphy (Kelly McGillis que estava no auge e que anos depois disse que aceitou o papel por ter sobrevivido a um estupro e considerar que o tema merecia ser abordado com a devida seriedade no cinema), que é capaz de perceber todos os absurdos que se acumulam em torno do caso. Kathryn quer não apenas que os estupradores sejam condenados pelo que fizeram, ela quer provar que aqueles que testemunharam o ato e não tentaram impedi-lo de acontecer são cúmplices e portanto, culpados sobre o ocorrido. Acusados se constrói como um filme de tribunal diferente, afinal, já conhecemos os culpados e o que interessa é como aquele acontecimento revela uma série de posturas e situações que constroem uma verdadeira rede de mazelas, muito bem representado pela inversão total do caso que parece julgar a vítima e não os criminosos. Embora o filme tenha sido somente indicado ao Oscar de Melhor Atriz, rendendo a primeira estatueta da carreira de Jodie, revisto hoje, o filme de Kaplan permanece relevante, especialmente pela marcante ousadia de Jodie desafiar os preconceitos na plateia na construção de sua personagem. Embora seja pouco lembrado, o filme merece ser redescoberto.
Acusados (The Acused / EUA - Canadá / 1988) de Jonathan Kaplan com Jodie Foster, Kelly McGillis, Bernie Coulson, Leo Rossi, Tom O'Brien e Steve Antin. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário