Mohamedou Ould Slahi (Tahar Rahim) foi um dos casos reais de suspeitos presos após os atentados de onze de setembro que foram levados pelos Estados Unidos para a base em Guantánamo, em Cuba, e comeu o pão que o Tio Sam amassou em torturas variadas sob as acusações de ter sido o responsável pelo recrutamento que gerou os ataques. Embora jurasse ser inocente, seu caso evidencia como um conjunto de direcionamentos tendenciosos era capaz de forjar uma rede de relações que faria qualquer um que se encaixasse em determinado perfil parecesse suspeito. Eis que seu livro (Diários de Guantánamo) foi lançado e se tornou um best-seller, tornando pública a sua história e a desumanidade dos procedimentos que serviram apenas para que os prisioneiros dissessem o que os agentes queriam que fosse dito. Após anos como prisioneiro, sem que houvesse sido feita qualquer acusação sobre ele, sua situação chamou a atenção da renomada advogada Nancy Hollander (Jodie Foster), que percebia todos os equívocos que giravam em torno do caso construído na histeria coletiva que se abateu sob os EUA - e que parece ter feito boa parte da população ter perdido o senso crítico e a possibilidade de questionar suas próprias ações. No fundo, este é o ponto mais forte de O Mauritano, a capacidade que as autoridades possuem de gerar uma verdade e fazer toda a realidade ter que se curvar perante a construção dela. É o tipo de filme que cai como uma luva para a inquietação de Kevin MacDonald (que funciona muito melhor quando tem em mãos roteiros de carga política como O Último Rei da Escócia/2006 e Intrigas de Estado/2009) que sabe construir a tensão e a ambiguidade dos seus protagonistas com grande desenvoltura. O filme também se beneficia muito com o trabalho de seu elenco. É ótimo matar a saudade de Jodie Foster (que infelizmente filma pouco ultimamente) na pele de uma sagaz advogada que é mais esperta e possui uma clareza de ideias muito maior do que os outros personagens que cruzam seu caminho (fruto de vivências em tribunais desde a época do Vietnã), não é por acaso que Jodie levou o Globo de Ouro de atriz coadjuvante para a casa, no entanto, não podemos esquecer do excelente desempenho de Tahar Rahim, que talvez tenha aqui o seu melhor papel desde o inacreditável O Profeta (2009) – e o acho cada vez mais a cara de Richard Gere. Quando a narrativa se prende aos dois o filme funciona que é uma beleza, pena que ele desliza toda vez que aparece o outro lado da moeda centrado no advogado vivido por Benedict Cumberbatch, tudo em volta dele soa tão clichê e previsível que parece postiço durante todo o filme, apesar de Benedict ser um ótimo ator, ele não consegue fazer milagres com a parte mais tediosa da história, sorte que esta parte é pequena. Na maior parte do longa, a narrativa é dinâmica e sabe utilizar os efeitos que brincam com a percepção da realidade aliada à ambiguidade do protagonista. Muita gente compara o filme à O Relatório (2019) lançado em 2019 e que foi esquecido das premiações, de fato, os dois filmes parecem complementares, mas O Mauritano ainda me parece mais interessante.
O Mauritano (The Mauritanian / Reino Unido - EUA / 2020) de Kevin MacDonald com Tahar Rahim, Jodie Foster, Benedict Cumberbatch, Shailene Woodley, Zachary Levi e Clayton Boyd. ☻☻☻☻
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