Petr: jornada de crueldades.
O livro O Pássaro Pintado do polonês Jerzy Kosinski foi lançado em 1965 e a História se encarregou de lhe render a aura de livro maldito. Não apenas pela sua trama repleta de situações escabrosas envolvendo um garotinho em uma Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial, mas também por seu efeito sobre a vida do escritor que sempre declarou que o livro era baseado em sua infância. O livro se tornou um best-seller, mas sua carreira nunca mais foi a mesma depois que em 1982 o autor foi desmascarado com a descoberta de que o livro era inspirado em vários relatos de sobreviventes de Guerra. Kosisnki foi acusado de plágio, chamado de mentiroso e diante de uma carreira arruinada se suicidou em 1991. O diretor Václav Marhoul resolveu transformar o livro em filme e lidar com as várias perguntas sobre o escritor em coletivas de imprensa, as quais respondia de forma enfática com um "Não me interessa. Kosinski é Kosinski, e o livro é o livro. É ficção." Marhoul tem plena consciência de que a mentira em nome do marketing em nada altera os méritos literários da obra que revela-se um retrato bastante cruel da humanidade. Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza (de onde saiu com o prêmio especial da UNICEF) e escolhido pela República Tcheca para disputar uma vaga no Oscar do ano passado, O Pássaro Pintado é um dos filmes mais árduos que já assisti. Logo na primeira cena o menino Joska (Petr Kotlár) é perseguido e agredido num bosque, ao voltar para casa sua tia lhe diz que ele precisa aprender que é perigoso andar por aí sozinho. Ela nem imagina que em breve o menino estará sozinho no mundo, vagando por vilarejos e encontrando pessoas da pior espécie em seu caminho. Tudo que Joska queria era que seus pais viessem buscá-lo, mas uma série de infortúnios lhe colocará diante de provações inimagináveis. Aos olhos do espectador ele é apenas um menino, mas para as pessoas que o encontram o consideram um cigano, um feiticeiro, um vampiro, um judeu entre outros predicados que servem para que a ignorância o aponte como alguém digno de ser maltratado, torturado, humilhado, violentado... não por acaso o filme é dividido em capítulos divididos pelos nomes de quem cruza o seu caminho, enquanto o título se refere à cena em que um pássaro é pintado e devolvido ao seu bando, mas é atacado por todos até a morte por ser confundido com um inimigo. Ou seja, o resultado do filme é um um retrato bastante cruel sobre o mundo e a barbárie, do efeito do discurso de ódio motivando uma legião de ignorantes e suas ações bestiais. Em alguns momentos é como se houvesse uma verdadeira maldição sobre aquele menino (ou seria sobre o mundo?) que, em poucas vezes, encontra pessoas capazes de se solidarizar com a sua dor (e aos poucos perde sua inocência diante do que vê e vivencia). Árduo em suas quase três horas de duração, o filme fez parte das plateias abandonarem a projeção no meio da sessão (e imagino que seja na cena dos corvos ou do Udo Kier ou da garrafa ou do cachorro ou do bode...). Filmado em preto e branco, cinematograficamente o filme lembra muito a odisseia de sofrimento de Vá e Veja (1985), mas termina com um tom de esperança que pode soar um tanto enganoso já que sabemos muito bem que o holocausto estava logo ali. Filmado de forma impactante, o pior é que ele ainda parece verídico até os dias atuais.
O Pássaro Pintado (The Painted Bird / República Tcheca - Eslováquia - Ucrânia / 2019) de Václav Marhoul com Petr Kotlár, Nina Šunevič, Udo Kier, Julian Sands, Ala Sakalova, Harvey Keitel, Stellan Skarsgård e Barry Pepper. ☻☻☻☻
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