Amin (à direita) e seu amigo: o passado presente.
Mesmo que saia do Oscar de amanhã sem prêmio algum, o representante dinamarquês na categoria de melhor filme estrangeiro já fez história, uma vez que conseguiu três indicações raras para uma animação encaminhada para a Academia, cravando também indicações à melhor animação e melhor documentário. Nos últimos anos se tornou comum um documentário transcender a categoria de filme estrangeiro e concorrer em outra (foi assim com Honeyland/2019 e Collectiv/2020, no entanto, o efeito é de a chance em uma categoria, anular os votos na outra - já que ambos eram favoritos e perderam nas duas categorias em que concorria). O caso de Flee está mais próximo das ambições do israelense Valsa com Bashir (2008) de Ari Folman, documentário em animação sobre a Invasão do Líbano em 1982 que tentou as mesmas indicações triplas e concorreu apenas na categoria de filme estrangeiro e, mesmo sendo favorito, perdeu a sonhada estatueta. Resta cruzar os dedos para que Flee alcance um resultado diferente de todos os citados aqui e faça História de forma ainda mais memorável. O fato é que o filme consegue ser comovente ao abordar um tema bastante atual de forma bem mais humanista do que costumamos ver nos telejornais. Neste ponto toda dor da guerra entre Rússia e Ucrânia pode ajudar ainda mais a sensibilizar os votantes com a história real de Amin, um homem que está prestes a se casar com seu parceiro e em uma entrevista revisita sua história marcada pela fuga do Afeganistão em guerra. Há vinte anos que ele esconde a história real de sua família. A fuga com a mãe, as duas irmãs e um irmão para a Rússia (único país que aceitou os refugiados), mas a rotina de pobreza e perseguições fez com que sonhassem com uma vida melhor, recorrendo à ilegalidade para conseguir refúgio em outros países. O diretor Jonas Poher Rasmussen constrói uma narrativa em animação que reproduz as situações lembradas por Amin, das dores do desaparecimento do seu em meio à guerra, o sonho de encontrar-se com o irmão mais velho da Suécia e reunir sua família novamente, além de poder contar sua história sem ter medo de ser deportado. A ideia de não ter um lar e ter que mentir sobre sua origem para não voltar à uma terra natal devastada são aspectos muito presentes no filme. Além do recurso de contar a história através de cenas de animação, o filme utiliza alguns cortes de telejornais relacionados à história de Amin e estabelece uma história individual dentro das consequências de um cenário muito mais amplo e desolador. O mais interessante é como mais uma vez a animação se mostra um recurso interessante para o trabalho com narrativas e memórias, algo que navega bastante contra o preconceito de que "desenho é coisa de criança", quem considera isso irá se chocar ainda mais na forma como o filme retrata o relacionamento de um casal gay com a naturalidade que merece. É um filme real. Triste. Sofrido. Mas no final consegue ainda deixar uma mensagem de esperança com uma realidade que teima em se repetir ao longo da História. Como o filme tem poucas chances na categoria de filme estrangeiro (frente a Drive my Car e A Pior Pessoa do Mundo, ele ficaria em terceiro lugar nos votos) e o prêmio de melhor documentário deve ir para Summer of Soul, eu adoraria vê-lo levar para a casa o prêmio de melhor animação. Entre os cinco concorrentes é o único inesquecível.
Flee (Dinamarca - França - Noruega - Suécia - Países Baixos - Reino Unido - EUA - Finlândia - Itália -Espanha - Estônia - Eslovênia) de Jonas Poher Rasmussen com vozes de Daniel Karimyar, Fardin Mijdzadeh, Milad Eskandari, Belal Faiz, Elaha Faiz, Sadia Faiz e Georg Jagunov. ☻☻☻☻
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