Turton e Robertson: marco do cinema inglês.
Nascido em 1948 em Londres na Inglaterra, o cineasta Ron Peck, entre curtas e trabalhos para a televisão, realizou apenas quatro longa-metragens exibidos no cinema. O primeiro e o último eram obras de ficção, os outros dois eram documentários e tinham relação com sua estreia na direção para o cinema. Sobre os documentários, um deles leva o nome do artista Edward Hopper (1981) , que parece ser sua inspiração para o título de Nighthawks (nome da obra mais famosa do artista) o outro era sobre como foi filmar seu primeiro longa em uma sociedade inglesa ainda marcada pelo conservadorismo. Peck faleceu em 2022 e sempre deixou claro como foi difícil ser um homem gay e ter os anos de sua carreira como cineasta perpassada pela contracultura dos anos 1970, recém saída da descriminalização de relacionamentos entre o mesmo sexo em seu país na década de 1960 e logo em seguida se deparar com a AIDS e a ressaca dos anos 1990. Peck revisita sua história e a feitura de seu longa de estreia em Strip Jack Naked (1991), documentário que fez muita gente se interessar por aquele que passou a ser considerado por muitos como o primeiro grande filme gay do cinema inglês. Lançado em 1978, filmado e lançado de forma independente, Peck procura fazer um registro sobre as mudanças quanto à liberdade que os homossexuais começavam a experimentar no país. A trama gira em torno da rotina de Jim (Ken Robertson), que trabalha como professor de Geografia durante o dia e à noite procura parceiros em uma boate gay. No entanto, Jim sempre planeja mais do que apenas sexo, mas um relacionamento. Sua vida amorosa se concentra em suas investidas e os rumos que acabam tomando, o envolvendo num verdadeiro emaranhado de encontros que não deixam claras as intenções envolvidas. Se por um lado, existe toda a animação de estar num clube com parceiros em potencial, por outro, temos um pouco de frustração e ansiedade do protagonista de dar um passo além rumo às expectativas de encontrar um parceiro fixo. Hoje este ponto rende debates acalorados quanto a sociedade heteronormativa, mas em Nighthawks existe a ideia de insatisfação perante o que Jim vivencia em sua busca por companhia e afeição, o resultado é um retrato sobre a dificuldade de estabelecer laços afetivos que se torna perspicaz até hoje. Outro ponto que merece destaque é o fato do protagonista contar sobre sua vida sexual para poucos conhecidos no trabalho, ainda que saiba que não será mais preso por ser gay, ele desconfia dos problemas que pode ter caso descubram que tem interesse por outros homens. Não por acaso, perto do desfecho do filme, ele é sabatinado por seus alunos com várias perguntas desconfortáveis e ofensivas, chegando a ser ele mesmo repreendido por isso (acredito que Ron Peck não imaginava que quase meio século depois ainda estaríamos lidando com homofobia). Vale destacar o trabalho do escocês Ken Robertson como Jim, sua atuação introspectiva dá conta de todos os conflitos do personagem o tornando extremamente humano, não por acaso, muitas vezes a câmera se aproxima dos seu olhar e podemos perceber exatamente o que se passa em sua mente. Aspectos como a trilha sonora (sem sucessos da época, mas com uma única composição datada que se repete à exaustão) e as ambientações internas deixam claro as limitações de orçamento que Peck tinha que lidar durante as filmagens. No entanto, embora muita gente possa considerar o filme chato e arrastado, ele cumpre a intenção de ser um retrato sobre as mudanças vividas por um homossexual urbano ao final dos anos 1970.
Nighthawks (Reino Unido - 1978) de Ron Peck com Ken Robertson, Tony Westrope, Rachel Nicholas James, Stuart Turton, Clive Peters e Robert Merrick. ☻☻☻
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