sábado, 24 de junho de 2023

NªTV: Black Mirror - 6ª Temporada

 
Hartnett e Paul: nem tão Black Mirror assim. 

Consagrada como uma das séries mais geniais da última década, a quinta temporada de Black Mirror já deixava claro que seus melhores anos haviam ficado paras trás. Quatro anos depois, a sexta temporada se mostra melhor do que a anterior, mas com algumas surpresas que deixam o público com a pulga atrás da orelha. Esse texto é mais do que a tentativa de uma crítica, mas uma reflexão sobre o que o programa tem a nos oferecer em seus últimos cinco episódios. A série se consagrou ao contar histórias sombrias da interação entre o ser humano e a tecnologia, o que tornava o programa tão assustador era a sensação de que aquelas situações realmente poderiam acontecer em um futuro próximo, algo que gerou o bordão "isso é tão Black Mirror" quando algo semelhante ao que vimos na série acontecer na vida real (como a eleição de Trump ou as fake news ditando desavenças pelo mundo). Acontece que após o primeiro episódio da nova temporada, a série parece se voltar agora para o passado da tecnologia. Joan é Péssima abre a temporada com a história de uma mulher que vê sua vida se tornar série de um serviço de Streaming, a Streamberry (que faz questão de não disfarçar sua inspiração na Netflix). Ela não faz a mínima ideia de como seu dia se torna um episódio diário na plataforma e a coisa só complica quando liberdades narrativas tornam sua personalidade ainda mais desprezível. A ideia está bem sintonizada com o legado da série, especialmente quando envolve imagens geradas por inteligência artificial, direito de imagem e como as imagens passam a ditar nossa percepção da realidade. Embora o humor faça tudo ficar menos sombrio do que deveria, a crescente de absurdo deixa a sensação de que só este episódio já vale mais que a quinta temporada inteira. O segundo episódio, Loch Henry, conta a história de um casal de cineastas que (Samuel Blenkin e Myha'la Herrold) resolve visitar a cidade natal de um deles, mas se tinham uma ideia para uma produção, agora eles decidem investigar crimes escabrosos que aconteceram na região. O episódio nem tenta disfarçar uma crítica aos programas sobre criminosos que não se preocupam com as pessoas que sofreram pelo caminho. Soa como uma crítica até à Netflix (mais uma vez representada pela Streamberry), mas também à forma como consumimos essas produções além do hábito de filmar tudo em uma espécie de fetiche. Aqui o hábito não é representado pelo uso do celular, mas por fitas VHS que remontam nosso apego à tecnologia como uma extensão de nossa vida, especialmente da memória (ainda que apareça aqui de forma sórdida). O passado também é o foco do terceiro episódio, Beyond the Sea se passa em 1969 com dois astronautas (Aaron Paul e o sumido Josh Hartnett) estão no espaço e participam do experimento com uma nova tecnologia, que transfere a consciência de cada um deles para uma réplica que permanece com a família na Terra. No entanto, a humanidade estaria preparada para lidar com isso? Como é um episódio de Black Mirror, a resposta você já imagina. Se o personagem de Rory Culkin (esquisito mais uma vez) demonstra uma raiz anti-tecnológica, o foco recai mesmo sobre a guinada do episódio que se torna cada vez mais previsível. Os rumos dados à promissora premissa evidencia que Charles Brooker já está cansado do formato de seu programa. Eis que então surgem os dois episódios finais inspirados em filmes de terror. Mazey Day mostra uma celebridade que cresceu perseguida por paparazzis. A guinada do episódio pode ser interpretada como alguém que se enfurece com a perseguição da mídia, dando rumos inusitados ao episódio mas nada que se compare ao último episódio. Apresentado pelo selo Red Mirror, Demônio 79 se torna um verdadeiro enigma para quem associa a série ao uso da tecnologia. O episódio apresenta uma assistente de vendas (Anjana Vasan) que passa a receber ordens de um demônio para evitar o apocalipse, assim, ela precisa assassinar três pessoas para evitar o fim do mundo. O episódio ganha toda uma estética dos anos 1970 e um tom que mistura comédia e terror que nos faz procurar o que tudo aquilo tem a ver com a série. Eu imaginei que fosse a ideia de uma tecnologia bem primitiva com aquele talismã registrando a missão realizada, mas tem uma relação com a abrangência que a mídia oferece à pessoas deploráveis (personificada por um político cheio de más intenções). O capítulo oferece até um vislumbre do clássico episódio Metal Head para ilustrar todo o mal que aquele sujeito representa. No entanto, o considerei totalmente deslocado, mas nos oferece o que podemos esperar da série daqui por diante: uma obra descaracterizada em sua proposta inicial. Não tenho problemas que Brooker tenha outras ideias a serem trabalhadas, mas se Black Mirror virar  Red Mirror, imagino que seria apenas a perda de uma obra original que não demonstra mais o fôlego que tinha antes. Talvez fosse mais fácil encontrar novos roteiristas para o programa. 

Black Mirror - 6ª Temporada (EUA - Reino Unido / 2023) de Charlie Brooker com Annie Murphy, Salma Hayek, Michael Cera, Samuel Blenkin, John Hannah, Aaron Paul, Josh Hartnett, Kate Mara, Rory Culkin, Zazie Beetz, Anjana Vasan e Paapa Essiedu.  

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