Trier em cena: testando a paciência do fã mais devotado. |
O dinamarquês Lars von Trier ganhou ao longo de sua carreira a fama de difícil. Ele foi considerado um sujeito difícil quando cursava cinema, atrizes reclamaram da forma como conduz as filmagens em suas produções. Alguns críticos o detestam da mesma forma como outros o adoram, além disso, o público por vezes não sabe como reagir às suas provocações, seja em entrevistas ou na telona mesmo. No entanto, nada, absolutamente nada, da fama do cineasta me deixou preparado para assistir seu segundo longa metragem: Epidemic (disponível na MUBI). Longa que foi inserido instantaneamente no último lugar na minha lista de filmes do diretor. Mais uma vez, o que ajuda a passar o tempo (assim como em Elemento do Crime/1984) é identificar o embrião de tudo que o cineasta se tornaria em seus filmes seguintes. Aqui, enquanto o diretor mescla a produção de um filme sobre uma misteriosa epidemia com uma epidemia de verdade ao redor do mundo, vemos mais uma vez o seu estilo provocador, sua vontade de inovar e instigar o espectador perante a forma com que se faz cinema. Aqui para separar realidade da ficção, ele insere uma espécie de selo para que possamos identificar o que é ficção do que seria a realidade de quem está envolvido no projeto. No entanto, sua ânsia de não seguir regras do cinema convencional faz o filme soar mais confuso do que interessante. A ideia de registrar o processo criativo envolvido na tarefa de fazer cinema também aparece em As Cinco Obstruções (2003) que o diretor faria posteriormente, o gosto por uma linguagem mais crua e realista, quase documental também foi melhor aproveitada pelo diretor em Os Idiotas (1998) e até na comédia O Grande Chefe (2006), além de ser a base para a instituição do movimento Dogma95. Quando flerta com a ficção científica, o diretor demonstra que a ideia de levar o gênero a sério lhe perseguia muito antes de Melancolia (2011), o problema é que Epidemic não consegue sustentar o interesse por si só. Os personagens (se é que podemos chama-los assim) não são interessantes ou minimamente desenvolvidos, a mistura de camadas também soa fragmentada demais para que ofereça algum ritmo plausível à narrativa. Diante disso, o elenco está sempre improvisando (basta ver as risadas espontâneas que aparecem a todo instante) e ao se colocar como ator diante da câmera, Lars deixa claro o motivo de ter evitado atuar posteriormente. Apesar da boa aparência, seu carisma não vai muito além do olhar típico de quem está prestes a aprontar. Arrastado e confuso, Epidemic se tornou um fiasco. Sorte que o fez repensar sobre sua forma de fazer cinema e ele ressurgiu com a excelente adaptação de Medeia (1988) para a TV dinamarquesa , para logo depois ganhar às telas novamente com o inebriante Europa (1991) - longa que pavimentou o auge de sua carreira nos anos seguintes. O filme vale pela curiosidade, mas exige disposição até do fã mais devotado.
Epidemic (Dinamarca /1987) de Lars von Trier com Lars von Trier, Allan de Waal, Ole Ernst, Michael Gelting, Colin Gilder, Svend Ali Hamann, Ib Hansen, Udo Kier, Cæcilia Holbek Trier e Gert Holbek. ☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário