domingo, 22 de outubro de 2023

PL►Y: Wes Anderson em Curtas na Netflix

 

A patota de Wes: Roald Dahl na tela da Netflix. 

Enquanto não assisto Asteroid City (o filme simplesmente não entrou em cartaz na minha cidade ou nas redondezas), a Netflix me deu o presente de ver Wes Anderson em quatro curtas-metragens baseados na obra de Roald Dahl. Anderson é declaradamente fã do autor e já se aventurou pela obra dele no magnífico O Fantástico Senhor Raposo (2009) e agora opta pelo trabalho em live action para adaptar quatro contos do escritor. Devo dizer que minha relação com os curtas foi bastante peculiar. Especialmente porque comecei a ver pelo mais alardeado de todos que é A Incrível História de Henry Sugar e, confesso, que foi o que menos gostei. Talvez seja por conta da duração mais extensa (41 minutos) que fez o filme me parecer um poço de pretensão. Achei o filme um tanto pesado em todos os seu maneirismos para contar a história de um milionário (Benedict Cumberbatch) que cruza o caminho de um homem que é capaz de enxergar sem usar os olhos (Ben Kingsley). Apesar de não ter curtido, fica claro ali o estilo do diretor impresso com uma narrativa ainda mais peculiar, já que ele faz questão de deixar a sensação de que o texto literário foi adaptado na íntegra, com o narrador (aqui vivido por Dev Patel, em ótima estreia na patota do diretor) por vezes descrevendo não apenas as emoções dos personagens como também as ações que são apresentadas em imagens. Mais do que tagarelice, uma sandice, mas que por vezes soa engraçada, assim como cansativa. Wes brinca com a percepção do espectador ao subverter a ideia de que nem sempre o importante é o que está sendo dito (ou quem diz). Comecei a curtir mais a brincadeira quando passei a não direcionar meu olhar para o narrador e ficar de olho no andamento da ação com outros personagens (e aqui o diretor soa como se fizesse troça de quem sempre fala de sua obsessão por simetria, já que com  o narrador em cena,  a ação não está ao centro, mas na visão periférica da cena). Henry Sugar parece na verdade dois filmes emendados e ressalta mais uma vez a paixão de Wes pelo oriente, aqui ele não está nem aí para as acusações de apropriação cultural, já que está plenamente seguro de que construiu um mundo só seu. Outro detalhe que fica latente aqui é um acabamento teatral da mise en scène , especialmente na transição dos cenários e convite à imaginação do espectador para complementar elementos em várias cenas. Confesso que desanimei após este aclamado curta. Sorte que depois eu assisti Veneno, eu nem sabia, mas é o curta-metragem que encerra a série de curtas e o achei o mais divertido com a história de um homem (Benedict Cumberbatch) que encontra uma cobra venenosa dormindo em sua cama e gera uma série de trapalhadas sob a tensão de uma morte eminente. Aqui, a narração de fala acelerada se torna mais orgânica e a rigidez do personagem de Cumberbatch, ao interagir com os elementos narrativos propostos pelo diretor, resulta em algo bastante divertido, embora trate de um tema sério como a xenofobia. O trato bem sacado me fez investir mais um pouco do meu tempo e ver O Caçador de Ratos. Se antes eu já achava o maior barato a forma como Ralph Fiennes (que se tornou membro do cast do diretor em O Grande Hotel Budapeste/) se encaixa nas tramas de Wes (ele também interpreta Roald Dahl sempre que necessário ao longo dos curtas), aqui, ele larga a sua boa aparência para se tornar um sujeito tão esquisito quanto os ratos que ele caça. Seus métodos nada ortodoxos garantem a graça da trama narrada por Richard Ayoade, que por vezes se confunde com o próprio Dahl. O tom nervosinho ganha mais graça ainda com Rupert Friend com cara de "onde eu estava com a cabeça quando contratei esse sujeito?". Embora o final seja bem menos interessante do que sugere, o curta cumpre seu papel sem maiores problemas. É interessante que deixei por último O Cisne, talvez o curta mais melancólico dos quatro, ao contar a história de um garotinho que sofre um bocado na mão de algumas pessoas mal intencionadas. Aqui Rupert Friend assume a narrativa e ganha pleno destaque já que é ele que fala a maior parte do tempo. O ator narra, faz vozes diferentes, encena... até que no final, Roald Dahl explica um pouco mais sobre o seu jovem personagem, cuja inspiração veio de uma triste história real que foi publicada nos jornais da época. O Cisne resulta então num filme sobre inocência, adaptação e sobrevivência. É o mais dramático dos quatro e flerta até um pouco comoo horror devido a violência que sugere (em todos os curtas as cenas mais chocantes são apenas narradas). Embora a maioria dos críticos bata palmas para A Incrível História de Henry Sugar, acho que O Cisne, com toda sua beleza triste, seria meu favorito para conquistar vários prêmios e, quem sabe até conceder finalmente um Oscar para Wes Anderson (ele merece faz tempo). 

A Incrível História de Henry Sugar ( / EUA-2023) de Wes Anderson com Benedict Cumberbatch, Ben Kingsley, Dev Patel e Ralph Fiennes. ☻☻

O Caçador de Ratos (The Rat Catcher / EUA-2023) de Wes Anderson com Richard Ayoade, Ralph Fiennes e Rupert Friend. ☻☻☻

Veneno (Poison / EUA-2023) de Wes Anderson de Wes Anderson com Benedict Cumberbatch, Dev Patel, Ben Kingsley, Ralph Fiennes e Benoît Herlin . ☻☻☻☻ 

O Cisne (The Swan / EUA - 2023) de Wes Anderson com Rupert Friend, Asa Jennings e Truman Hanks. ☻☻☻☻ 

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