Castro: sem vida à beira da ditadura chilena. |
Motivado pela presença do controverso O Conde (2023) na Netflix, resolvi fazer um #FinalDeSemana dedicado ao cineasta chileno Pablo Larraín. Não por acaso, resolvi começar pelo seu segundo longa-metragem. Depois de Sinfonia Inacabada (2006) o diretor resolveu deixar claro que seu estilo estava para além da narrativa truncada que brincava com diferentes tempos na narrativa, seu interesse estava mesmo era em construir desconforto ao explorar personagens problemáticos. Aqui, como em todos seus outros filmes, o ambiente social dos personagens motiva ainda mais a estranheza. Post Mortem é começa ambientado no Chile de 1973, nos últimos dias do governo Allende e às portas da ditadura de Pinochet. O diretor opta por abordar essa chegada ao poder de forma pouco óbvia, ele utiliza um necrotério para demonstrar que a morte e a insegurança pairam no ar. Mario (Alfredo Castro), trabalha no necrotério da cidade, tem interesse em uma vizinha dançarina (Antonia Zeggers), mas mesmo quando a encontra, ele passa a maior parte do filme com a mesma expressão apática e sem se envolver muito com o que está ao seu redor. A cena em que ele vê uma manifestação de dentro de seu carro e resolve atravessa-la lentamente em sentido oposto demonstra bastante a sua postura diante dos fatos. No entanto, embora todo o cenário ao redor do personagem demonstra a situação complicada que o país atravessa, entre manifestações, ruas vazias e carros incendiados, Mario deixa escapar seu temor em poucas cenas (como aquela em que sem motivo aparente começa a acompanhar o choro de outra personagem como se iniciasse por uma imitação quase obrigatória de sua parceira de cena). Não para de chegar corpos ao necrotério. "Esta mulher apanhou até a morte" diz o legista pouco antes de pedir para que não registre aquilo no laudo, "foi só um comentário", tenta consertar. Mario observa aquilo petrificado, mas não como se estivesse assustado, mas indiferente mesmo. Robótico e um tanto sem reação, até seu corte de cabelo parece ser de alguém fora do eixo. Talvez ele não saiba o que fazer perante a realidade, talvez tenha optado por enfrentar o mundo daquela maneira para não enlouquecer, ou apenas esteja tão morto quanto os corpos com que precisa lidar todos os dias no trabalho. No entanto, a realidade se faz cada vez mais próxima e se esfrega na cara do personagem que tenta manter sua ausência de reação ao longo do filme. Para dar corpo a um personagem tão sem alma o cineasta conta com Alfredo Castro, com quem já havia trabalhado em sua estreia na direção (fazendo um personagem totalmente oposto, mas com igual brilhantismo), assim como também apareceu em outros filmes posteriores do cineasta. Aqui ele demonstra que consegue ser expressivo mesmo diante de um personagem completamente travado e confuso com relação às emoções e desejos que nutre ao longo da narrativa. Um belo desafio, que permite ao expectador projetar em seu trabalho sua própria leitura perante a apatia ressaltada ainda mais pela fotografia sem vida.
Post Mortem (Chile/2010) de Pablo Larraín com Alfredo Castro, Antonia Zegers, Jaime Vadell, Marcelo Alonso, Ernesto Malbran e Amparo Noguera. ☻☻☻
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